sábado, 13 de dezembro de 2025

Onde o amor decide morar.

Não é verdade que os amores acabam. Eles apenas mudam de endereço. Um dia, cansados de morar no peito, fazem as malas sem aviso e se instalam na memória, onde ninguém os vê, mas onde tudo permanece. No coração, eles eram urgência. Exigiam presença obstinada, respostas, futuro. Na memória, tornam-se silêncio. Não cobram, não pedem, não discutem. Apenas existem. Às vezes dormem por anos, até que um cheiro, uma música ou um nome dito por acaso os acorde, lembrando que nunca partiram de fato. A gente aprende a seguir em frente achando que venceu. Novo amor, novos planos, outra rotina. Mas basta um detalhe fora do lugar para perceber que certos sentimentos não se dissolvem no tempo, penas se acomodam. Não machucam como antes, mas também não desaparecem. Estão ali, observando, quietos, como quem conhece demais para ser esquecido. Não se trata de saudade constante nem de desejo de retorno. É respeito. Amor antigo não pede volta, pede reconhecimento. Foi real. Foi inteiro. E por isso deixou vestígios. Quem tenta apagar o que viveu acaba apagando partes de si. Ao fim, entende-se. O coração precisa de espaço para continuar amando. A memória, não. Ela é território sem despejo. E é lá que os amores passados seguem vivendo. Não como dor, mas como prova de que um dia foi capaz, profundamente de sentir.

 

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Um pássaro na mão em ocasiões comuns.

Vivemos à espera do momento perfeito, do grande salto, do acontecimento que mudará tudo em um único instante. Mas essa espera, muitas vezes, nos cega para aquilo que realmente constrói o futuro. São os pequenos gestos, as tarefas repetidas e as decisões diárias que, silenciosamente, definem nossos rumos. Já as oportunidades extraordinárias costumam surgir envoltas em brilho e promessa, mas raramente vêm acompanhadas de garantia. Podem ser miragens que desviam nosso foco, atalhos incertos que nos afastam do que realmente importa. Por isso, é preciso firmeza para reconhecer que o extraordinário nem sempre é confiável, e coragem para valorizar o que é simples, constante e real. Quem aprende a dominar o cotidiano descobre que, no fim das contas, é nele que reside o verdadeiro poder de mudança.

 

O tempo que ficou em mim.

Fui pobre, mas acredito que fui imensamente feliz. Hoje, em meio a tanta tecnologia, ainda me sinto um pouco despreparado para acompanhar o ritmo frenético dos eventos virtuais. Sou de um tempo em que se olhava o outro com sensibilidade, em que o silêncio dizia mais do que mil mensagens digitadas às pressas. A vida acontecia diante dos olhos, não atrás de telas iluminadas. E talvez tenha sido justamente essa vida o ‘hard disk’ da minha existência. Era uma vida feita de toque, do cheiro do café passado na hora, da conversa tranquila na calçada ao entardecer. Simples, mas cheia de sentido. Sem filtros, sem "curtidas", sem a pressão constante para ser mais do que se era. Bastava existir e isso já era muito. Hoje, sinto que corro atrás de um mundo que anda depressa demais. As pessoas falam, mas não escutam; mostram, mas não sentem; vivem, mas quase não percebem. E eu sigo, com meu passo antigo, tentando acompanhar as mudanças sem perder minha essência. Porque, apesar da velocidade dos novos tempos, ainda carrego comigo aquele olhar sensível, aquela calma aprendida na infância pobre, porém rica em afeto. Talvez eu tenha deixado de viver algumas coisas, mas aquilo que conservei me moldou. É isso que me sustenta agora, enquanto busco meu lugar neste cenário moderno. No fundo, acredito que ainda há tempo para aprender sem esquecer quem fui quem sou. Continuo nesse caminho onde a vida segue, mesmo quando parece ter ficado para trás. Sempre é bom recordarmos de felizes tempos. Os tempos felizes residem em nossas memórias. São também os donos das nossas cabeças.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Quando a confiança se abala sem aviso.

Às vezes, depositamos confiança em alguém como quem entrega algo precioso nas mãos de outro, não por ingenuidade, mas porque acreditamos no que sentimos no que vimos no que construímos juntos. Confiar é sempre um ato silencioso de coragem. Por isso, quando essa confiança se abala sem explicação, o impacto é profundo. Não é apenas a atitude inesperada que fere, mas o vazio deixado pela ausência de clareza. Fica a sensação de que algo foi quebrado sem aviso, como se uma porta tivesse sido fechada sem que tivéssemos percebido o som da maçaneta. A dúvida cresce onde antes havia segurança, e o que era leve torna-se pesado. Perguntas sem resposta ecoam na mente: O que aconteceu? Por quê? Em que momento tudo mudou? E, muitas vezes, o silêncio machuca mais do que qualquer verdade, por mais dura que ela possa ser. Ainda assim, é importante lembrar que confiança abalada não significa confiança destruída. Às vezes, a explicação não vem porque o outro não sabe oferecê-la; outras vezes, porque carrega batalhas silenciosas que desconhecemos. Há também situações em que o abalo é um sinal para revisitarmos nossos limites e expectativas. O que jamais deve ser perdido é a confiança em nós mesmos, a certeza de que somos fortes o suficiente para enfrentar o inesperado. Sábios o bastante para aprender com o que aconteceu e dignos de relações baseadas em transparência e respeito. E, se o laço puder ser reconstruído, que seja com diálogo honesto. Se não puder que a despedida também nos ensine algo sobre seguir em frente com mais maturidade e menos ilusão, mas nunca com menos coração.

Foi bom enquanto durou.

Ela cruzou meu caminho como um sussurro improvável, envolta em sentimentos contidos que me relatava, dia após dia, numa busca por acolhimento e alívio para um coração carregado de responsabilidades que não eram minhas. Mesmo assim, eu a aceitei de peito aberto, oferecendo o que tinha, ainda que fosse apenas uma meiga presença. Dei até recursos que, para mim, tinham peso, mas que para ela pareciam aliviar o mundo. E isso, de certo modo, também me abrandava de suas ansiedades e desejos momentâneos. Ela carregava tempestades silenciosas, daquelas que se escondem atrás dos olhos e se tratam com remédios que a alma nem sempre acompanha. Eu sabia, e mesmo assim fiquei em expectativas. Talvez por carinho, talvez por esperança, talvez porque algumas pessoas nos tocam antes mesmo de percebermos. Mas ontem o vento mudou. Quando procurei sua voz, encontrei apenas o eco do silêncio. Nenhuma palavra, nenhum aceno, nada que explicasse o fim. Foi como se o que existiu entre nós tivesse evaporado, deixando apenas a certeza de que certas histórias são feitas de instantes que, por natureza, não pertencem ao sempre. E as surpresas, às vezes, nos pregam peças.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

A última travessia.

Hoje inerte vejo pessoas na vertical, próximas a mim chorando: familiares, amigos, todavia com certa alegria, as carpideiras em cantos melancólicos alternando em louvores esplendorosos. Mosquitos de flores entram e saem das minhas gélidas narinas. Eu sem poder reclamar com gotas saindo das vistas descongelando o corpo que estava na geladeira. Somadas a esses prantos entrou impetuosa toda de negro a minha eterna companheira. Ela se aproximou sem pressa, como quem já conhece cada passo até a mim. Tocou levemente minha fronte e, embora o mundo dissesse que eu estava morto, senti o frio de sua mão, profundo e absoluto, mas paradoxalmente acolhedor. Ao seu toque, os sons do velório pareceram distantes, dissolvendo-se em um murmúrio indistinguível. As vozes, os soluços, os cantos, tudo se tornou tênue, como uma lembrança antiga prestes a desaparecer. Apenas ela permanecia nítida diante de mim, firme, silenciosa, inabalável. Chegou a hora! Sussurrou, mas não com a voz que se ouve com os ouvidos. Era uma vibração que atravessava aquilo que restava de mim, sem exigir resposta. Vi meu corpo ali, imóvel, e pela primeira vez compreendi a estranha paz daquele instante. Não era uma partida abrupta, e sim o desfecho exato de um caminho que sempre esteve marcado. A dor dos meus deixou de ser peso, porque percebi que logo também se tornaria memória e reminiscência é o que a vida usa para continuar mesmo quando desistimos de respirar. Ela estendeu a mão. Não para me arrancar, mas para me guiar. E eu, enfim leve, aceitei. Enquanto atravessávamos a fronteira que separa o silêncio do desconhecido, ouvi, como último eco da existência, uma voz querida dizendo meu nome. Finalmente, chegou a hora fatal. Senti o ranger dos parafusos na tampa, mas mantive os olhos fechados de pavor. Em seguida o sacolejar de mãos na madeira que rangiam lá fora. A eternidade, afinal, exige coragem. E na escuridão do cubículo às coroas eram minhas únicas companheiras, mas elas como eu, acabarão mortas. Essa é a verdade da vida. Nascemos com a certeza que  morreremos algum dia. Portanto, a morte é inexorável, assim como o tempo. Lá onde estou não existe contratempos.

 


O pode de sonhar antes de realizar.

Sonhar é o primeiro passo de qualquer realização. Antes que um projeto ganhe forma, antes que uma mudança se concretize ou que um futuro se construa, existe a semente inicial. O sonho. Ele nasce silencioso, muitas vezes tímido, como um desejo que ainda não se atreveu a virar plano. Mas é justamente ali, no território do imaginário, que tudo começa a ganhar vida. Nada acontece por acaso,  e nada acontece sem que, antes, alguém tenha ousado imaginar o impossível. Sonhar é dar permissão para que o novo exista. É desenhar, por dentro, aquilo que mais tarde poderá ser moldado no mundo real. Quando sonhamos, abrimos portas. Criamos caminhos onde antes só havia dúvida. E mesmo que o percurso seja longo, cheio de curvas e desafios, o sonho permanece como bússola, lembrando-nos do porquê e para onde vamos. Por isso, nunca subestime a força de sonhar. Cada conquista nasceu de um pensamento audacioso, de alguém que acreditou antes de ver. Afinal, é no ato de sonhar que começa todo amanhã possível.

 

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Vida! Entre o passado e o presente.

A vida só se entende olhando para trás vendo os caminhos que nos fizeram quem somos. Mas só se vive olhando para frente, sentindo cada instante que pulsa diante de nós. Entre o que fomos e o que somos, entre o aprendizado e a experiência, a vida nos revela o equilíbrio delicado entre compreender e sentir.

A coragem de ficar.

O amor incondicional não se revela nos momentos fáceis, quando tudo parece fluir e o caminho é iluminado por certezas. Ele se mostra, sobretudo, quando o silêncio pesa, quando as portas se fecham, quando o mundo inteiro parece se afastar. É aí que esse amor raro, profundo e quase sagrado demonstra sua verdadeira essência: a coragem de permanecer. Perdurar não é insistência cega nem submissão. É um ato de presença. É olhar para o outro com humanidade e reconhecer que todos têm dias sombrios, medos ocultos e dores que nem sempre encontram palavras para expressar. Amar incondicionalmente é estar ali, mesmo quando a tempestade não oferece abrigo, mesmo quando o caminho ao lado parece mais fácil do que continuar. É um gesto que não exige aplausos, porque nasce de dentro. É a força silenciosa que sustenta, que acolhe, que compreende. É o compromisso não apenas com o outro, mas com aquilo que ambos podem ser juntos. No final, amor incondicional é isso. O destemor de ficar quando tudo convida a partir. É escolher, uma e outra vez, plantar esperança onde os outros veem apenas abandono. É acreditar no amor que, apesar do mundo, vale a pena permanecer. O amor é um desdobramento de sentimentos.

domingo, 16 de novembro de 2025

Hoje meu dia está incompleto.

Relembrei meu grande amor assim que passei pela esquina que sempre me conduz de volta para casa. Ela, diferente daquelas mulheres que tantas vezes desamparadas buscam na noite o sustento de suas vidas tinha em mim todo o meu amor, minha atenção e a minha compreensão. Ela era íntima de minhas angústias, decepções e pequenas alegrias. E partiu súbita, como quem é lançado às alturas. Pensei naquela linda morena que frequentava minha vida e que escapou do laço que envolvia meu coração. Aquele corpo esguio insiste em permanecer na minha lembrança. Sua beleza simples me enlouquecia; seus trejeitos, sua ternura, sua boa vontade comigo e com todos ao redor. Estou sem chão. Sem perspectivas. Todas as noites, em meu quarto, contemplo as estrelas à procura da mais cintilante. E então, quando o silêncio se instala como um véu de veludo sobre o mundo, sinto sua ausência pulsar dentro de mim suave e cruel, como um sopro de vento que conhece todos os meus segredos. Cada estrela parece guardar um fragmento seu, um brilho que recorda a maciez do seu olhar e a delicadeza do seu sorriso derramado sobre minha existência. Caminho entre memórias como quem atravessa um jardim depois da chuva: tudo cheira a passado, tudo reluz o que já foi e nada posso tocar. A saudade me visita com passos leves, porém certeiros, e se instala em mim como moradora eterna. Às vezes quase escuto sua risada atravessando a noite, confundindo-se com o canto distante de um pássaro adormecido. Se ao menos eu pudesse recolher seus rastros pelo vento, reconstruir sua presença com as lembranças que ainda tremeluzem em mim, talvez meu coração encontrasse descanso. Mas o destino escultor implacável, moldou entre nós um abismo que nem o tempo ousa preencher. Assim permaneço: metade ser, metade saudade. E espero que a estrela mais brilhante àquela que busco todas as noites não me reconduza você, mas me devolva a mim mesmo, para que eu possa seguir, mesmo sem o sol que um dia atendi pelo seu nome. Preciso, enfim, desembaraçar a teia de ilusões que se fez da minha vida.

 

 

sábado, 15 de novembro de 2025

Brilhos que desabrocham o olhar.

É com brilho no olhar que vejo mais um dia chegar. Você se aproximar e se aconchegar. Resoluta em seus pensamentos encosta a cabeça em meus ombros, onde ouço seu coração palpitar num pedido silencioso por mais amor, além de todo o esforço que dedico em tê-la mesmo que por instantes breves, porém intensos. Sei que nosso sangue é um só: vermelho de intimidades profundas, tingido pelos dias vividos lado a lado. Nossos perfis, por mais incrível que pareça, são homogêneos. Caminhamos na mesma sintonia, gostamos do que nos envolve e sempre compartilhamos olhares que dizem o que palavras não alcançam. Até as rosas, as rainhas das paixões parecem abaixar sua bela figura quando passamos por esse imenso jardim de amor, testemunha silenciosa do que floresce entre nós. E assim seguimos, guiados por sentimentos profundos que brilham no olhar, no toque, no coração.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Por você, sempre por você.

Há um dia em que a gente se cansa. Esgota de tentar caber, de agradar, de provar. Extenua de medir o próprio valor pela régua dos outros. E é nesse instante silencioso, quando o peito dói, mas a alma desperta, é que a gente entende: talvez seja hora de fazer as coisas por si mesmo. Eu me lembro de um dia em que percebi isso. Estava diante do espelho, sem maquiagem, com olheiras fundas e o cabelo preso de qualquer jeito, quase da forma maltrapilha. Por um momento, vi alguém que eu quase não reconhecia. Não porque eu tivesse mudado tanto, mas porque fazia tempo que não me olhava de verdade. Passei anos tentando corresponder às minhas expectativas, aos padrões, aos olhares. Mas ali, naquela manhã qualquer, entendi que o amor que eu esperava receber dos outros precisava, antes, nascer em mim. Foi quando decidi estudar por mim. Não mais para ser um exemplar, nem para ter um diploma que impressionasse pessoas. Mas porque aprender me faz sentir viva. Porque há algo profundamente libertador em entender o mundo, em questionar, em pensar por conta própria. O conhecimento é um tipo de amor silencioso. Ele nos segura quando tudo desaba, nos sustenta quando ninguém mais entende. Acompanha-nos quando o resto vai embora. Depois veio o corpo. Por muito tempo, eu malhei por culpa. Por não gostar do que via, por querer mudar o que o espelho refletia. Hoje, malho por gratidão. Porque meu corpo me carrega, me sustenta me leva onde a vida pede. Sinto o coração acelerando, o suor escorrendo, e percebo: é assim que eu me dou amor. Não é castigo. É cuidado. E então aprendi a me arrumar por mim. Colocar uma roupa bonita, um perfume leve, não para ser observada, mas, para me ver. Há dias em que isso parece banal, mas é nesses detalhes que a gente se reconstrói. É quando o espelho devolve o olhar e você finalmente pensa: “eu gosto de quem estou me tornando”. Mudar também virou parte do processo. Por muito tempo, temi mudar. Achava que isso significava perder algo. Mas descobri que mudar é, na verdade, se reencontrar. Cada versão que deixei para trás foi necessária para que eu chegasse até aqui. Mudar por mim é escolher crescer, mesmo que doa. É respeitar o que o coração pede, mesmo que ninguém entenda. É saber que o amor-próprio, às vezes, vem disfarçado de recomeço. Hoje entendo que nada disso é sobre egoísmo. É sobre amor. Amor que não depende, não implora, não se mede por likes ou aprovações. É o tipo de amor que me faz caminhar com firmeza, mesmo quando o chão é incerto. O tipo que me faz olhar para o espelho e sorrir mas não porque está tudo perfeito, mas porque, finalmente, é você quem está ali. E se um dia me perguntarem o que aprendi com tudo isso, direi apenas: faça por você. Estude, malhe, se arrume, mude, mas sempre por você. Porque quando você escolhe se amar, o mundo inteiro muda de forma. E pela primeira vez, a vida começa a ter o seu rosto.

 

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Nos caminhos da harmonia.

Parece que foi ontem! Os primeiros dez anos de casamento foram um campo de provas: dias difíceis esperanças teimosas e o desejo de acertar. Éramos jovens, cheios de planos e horizontes, acreditando que o amor bastava para sustentar o mundo. Vieram os filhos. Praticamente dois, quase juntos, e, com eles, a pressa de crescer. Entre fraldas e noites curtas, aprendi a linguagem silenciosa do sacrifício, essa arte de abrir mão de si para ver os outros florescerem. Com o tempo, os laços se transformaram. E quando a poeira da juventude assentou, pude ver melhor a mulher ao meu lado: guerreira, paciente, incansável. Ela lutou sem escudos, mas com o coração aberto, e venceu, juntamente comigo. Quis aliviar-lhe o fardo. Contratei ajudantes, mãos generosas que dividiram as tarefas do lar. Residíamos em uma casa confortável, onde a felicidade parecia morar entre as risadas das crianças e o cheiro do café ao entardecer. Hoje, ao revisitar essas memórias, percebo que nenhum esforço foi em vão. A mulher é o alicerce invisível de uma casa, o sopro que mantém acesa a chama da família. Aprendi que viver em harmonia é aceitar o sol e a sombra, a alegria e o erro. Porque o amor verdadeiro não é feito de perfeição. É tecido de paciência, coragem e perdão. E é nesse tecido que a vida, enfim, se sustenta.

 

domingo, 2 de novembro de 2025

Entre o jardim e a saudade.

Um vulto amado me fez recordar antigos momentos, no meu jardim. Lá, sentado e absorto em meus pensamentos, com tristezas e dor, lembro-me das emoções incontidas. Reprimidas em feridas por palavras por nós proferidas. Seu sorriso, que outrora animava meus dias, como seus olhos que clareavam minha estrada, já não existe. Sou como um barco sem tripulação, navegando à deriva, sem norte e sem farol em águas turbulentas. A saudade invade meus dias desde aquele adeus inesperado que me deixou sem chão. Feliz daquele que sabe sofrer sem partilhar a outros suas decepções amorosas. Tento afogar minhas saudades, mas não consigo. Após cada porre, a dor aumenta ainda mais. Em solidão e tristeza, o meu retrato é o vazio causado pela sua ausência. O sol raiou e senti gotículas da noite caindo sobre mim. Talvez seja a ventania que trouxe para mim o eco distante da sua voz, murmurando lembranças que o tempo não levou. Fecho os olhos e quase posso sentir o toque leve das suas mãos, como uma promessa que insiste em não morrer. E assim sigo, entre o sonho e a saudade, cultivando no silêncio do meu jardim as flores que um dia plantei contigo. Algumas murcharam, outras resistem como o amor que ainda vive, mesmo em meio às cinzas do que fomos  quando nós éramos apaixonados em corações exultantes.

As emoções ocultas reveladas por um simples gesto.

Um simples aperto de mãos. Nada mais, nada menos que isso. Um gesto cotidiano, rotineiro, quase automático. No entanto, naquele instante em que minha mão pousou sobre a sua algo diferente aconteceu. Senti, através do frio que emanava da sua pele, uma corrente de emoções que nenhuma palavra conseguiria traduzir. Havia medo ali, uma ansiedade quase palpável, um desconforto que não se disfarçava, mesmo que você tentasse esconder por trás de um sorriso breve e forçado. Seus dedos tremiam levemente, e esse tremor dizia mais do que qualquer confissão. Era como se sua alma, por descuido ou exaustão, tivesse escapado por entre os poros e se revelado em silêncio. Por um momento, o tempo pareceu desacelerar, e o simples toque se transformou em um elo invisível, uma conversa muda entre duas presenças que se reconheciam pela vulnerabilidade. Olhei em seus olhos e vi o reflexo de algo que conhecia bem, o medo de ser lido, o receio de se despir emocionalmente diante de alguém. Mas, ao mesmo tempo, havia um pedido implícito, um grito contido por compreensão, como se o toque dissesse: “Perceba-me! Mesmo que eu não saiba como dizer o que sinto!” Soltei sua mão devagar, respeitando o silêncio que se formou entre nós. Ainda sentia o frio preso à minha pele, como se um pedaço do seu medo tivesse se agarrado a mim. E foi nesse instante que eu compreendi a razão pela qual as emoções humanas são mais sinceras quando não precisam de palavras. O corpo fala com uma verdade que o discurso não alcança. Às vezes, basta um gesto, um olhar, um toque, um aperto de mãos, para que a alma se revele inteira. E é nesse instante breve, quase imperceptível, que descobrimos que os sentimentos mais profundos não só gritam. Sussurram também aos ouvidos como simétricas conexões.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Ladrão de sonhos

Quando a noite chega, silêncio se faz,
E o mundo real, enfim, tem sua paz.
Eu fecho os olhos, me entrego ao cansaço. Mas sinto que invade um outro espaço. Não sei de quem roubo a tranquila noite. Mas pressinto que em mim a vida do outro flui. O sono que me embala, leve e sereno, é a vigília de alguém, triste e pequeno. Em meus sonhos, visões que não me pertencem. De vidas estranhas que me parecem. Lágrimas que não chorei, sorrisos alheios. Ecos de um desejo que não é dos meus anseios. Será que meu peso é demais para um só? Será que a vida, me cobra um preço maior? Será que a minha paz rouba a serenidade de alguém distante, num ciclo invisível, cruel e constante? E ao acordar, o alívio se mistura à dor e resignação. De saber que vivi a fantasia de outro ser. Que a minha noite foi a insônia de alguém. E a cada amanhecer me pergunto
: de quem? Sabedor que à noite, roubarei outra vez.

terça-feira, 28 de outubro de 2025

O elo invisível dos corações sinceros.

Fidelidade é o sopro leve que sustenta o amor nas horas frias. É a chama pequena que não se apaga, mesmo quando o ar sopra forte. É o gesto simples que repete o cuidado, a escolha silenciosa que se renova a cada amanhecer. Ser fiel é permanecer quando seria mais fácil partir. É acreditar no vínculo mesmo quando o mundo duvida. É guardar o nome do outro como promessa. É respeitar o espaço sem perder o laço. Lealdade é raiz e é asa. Raiz que firma, asa que liberta. Pois quem é fiel não prende acompanha o voo com confiança. Há deferência nas palavras que cumprem o que dizem, nos olhos que não se desviam da verdade, das posturas e da sinceridade, no abraço que permanece igual, mesmo quando o tempo muda tudo ao redor. Ser fiel é amar sem precisar vigiar. É confiar sem medo da distância. É saber que o coração tem endereço certo, ainda que os caminhos se alonguem. E no fim, a consideração é espelho da alma: reflete quem somos quando ninguém nos vê. É a poesia que o tempo escreve em silêncio, a eternidade escondida nos gestos simples. Porque ser fiel é ser inteiro. E o que é inteiro, o tempo não quebra. O que é fiel, o mundo não apaga. No som, o original é a gravação. A alta fidelidade busca a reprodução perfeita e sem distorções do som. No amor, o original é o compromisso ou a promessa de exclusividade e união. O zelo e a atitude que mantém esse compromisso inalterado são puros.

A flor da esperança.

Pode sorrir à vontade. O seu sorriso já não me desarma como antes, mas ainda ilumina o canto mais secreto das minhas lembranças. Há algo em ti que o tempo não conseguiu levar: a essência que um dia me fez acreditar que o amor podia ser abrigo e tempestade ao mesmo tempo. No entanto, hoje, aprendi a olhar para esse sorriso sem me perder, porque no meu jardim viceja forte, teimosa, bela, a flor do desejo. Essa flor nasceu das ruínas. Brotou entre as pedras do meu ego silencioso, entre as ausências que gritavam quando seu nome já não se ouvia. Eu cuidei dela com as mãos feridas e reguei-a com lágrimas escondidas que já não eram de dor, mas de renascimento. E foi assim que compreendi: o amor, quando amadurece, não implora permanência ele floresce, mesmo quando outra parceria se desfaz. Tu e eu formamos um lindo par, e disso não me envergonho. Houve em nós um fogo que iluminou noites e cegou dias. Fomos intensidade, verdade e entrega. Mas a beleza de um jardim não está em prender o vento, mas em deixá-lo soprar e ver o que resiste depois da ventania. E o que resistiu, dentro de mim, foi essa força mansa que aprendi a chamar de esperança. A sua fascinação ainda persiste no meu coração, é verdade. Ela mora nas entrelinhas do que fui às lembranças que às vezes me visitam quando a noite é longa. Mas já não me fere; hoje, é lembrança doce, não ferida aberta. Porque o coração que um dia te ofertou paz e segurança agora oferece isso a si mesmo. Descobri que a paz não está em quem fica nem em quem vai. Está em quem aprende a florir, mesmo só. A segurança não vem do abraço alheio, mas da certeza de que posso caminhar com os meus próprios passos, sem deixar de acreditar no amor. O meu jardim segue vivo. Nele, cada pétala guarda um pedaço da nossa história, mas também o perfume de tudo o que ainda está por vir. São essências de sentimentos e apegos. A flor da inspiração fascina e cresce firme, entre memórias e recomeços, porque ela aprendeu como eu, que o amor verdadeiro nunca morre. Ele se transforma. E se um dia passares por esse jardim novamente, talvez sintas o mesmo perfume de antes. Mas não te enganes, não é saudade que paira no ar. É força. É vida. É a prova de que, mesmo depois do adeus, a confiança continua a vicejar, altiva, no meu peito.

 

domingo, 26 de outubro de 2025

O relógio que o tempo não consome.

Encontrei lá no fundo do roupeiro, perdido entre quinquilharias esquecidas, o meu antigo relógio analógico da marca Mido. Foi como reencontrar um velho amigo que o tempo afastou, mas nunca apagou da lembrança. O metal já sem o mesmo brilho, a pulseira ligeiramente marcada pelos anos que, no entanto, bastou tocá-lo para que algo dentro de mim voltasse a pulsar. Esse relógio sempre foi mais do que um simples medidor de horas. Era uma espécie de companheiro silencioso, testemunha dos meus dias, dos atrasos e das pressas que me acompanhavam. Havia nele uma mania ou talvez uma teimosia que eu mesmo inventei: todos os dias, quase por instinto, atrasava os ponteiros alguns minutos. Não sei se era medo de chegar cedo demais às coisas ou vontade de enganar o tempo. Talvez fosse só uma forma de dizer que ele não mandava em mim. Lembro-me bem da transição que os anos trouxeram. Na década de setenta, o Brasil começou a ser invadido pelos relógios digitais, símbolo de uma modernidade que se anunciava com números brilhantes e sons metálicos. As vitrines pareciam prometer um futuro mais preciso e mais veloz, e também mais eficiente. Aos poucos, o velho Mido foi sendo deixado de lado. Primeiramente passou a dormir na cabeceira da cama, depois a repousar em alguma gaveta. O mundo girava mais rápido, e eu, sem perceber, fui deixando que o tempo me ultrapassasse. Hoje, ao encontrá-lo, percebo que o relógio ainda carrega os segundos com a mesma dignidade de antes. Não importa se parou se já não funciona como antes. Ele continua sendo o símbolo de uma época em que o tempo parecia mais humano, mais elástico, mais nosso. Há uma ternura em seu silêncio, uma fidelidade que as máquinas modernas jamais conhecerão. E talvez por isso eu tenha feito um pedido: que, quando chegar minha hora, apesar de meu ceticismo, que coloquem o Mido junto a mim, dentro do esquife. Não por vaidade, nem por apego material, mas por reconhecimento. Porque ele foi, durante tantos anos, o companheiro que marcou meus dias, o cúmplice das minhas pequenas rebeldias contra o relógio da vida. Sei que o meu corpo, como tudo o que é vivo, será um dia devorado pela terra. Mas o meu relógio? Ah, esse jamais será “coMIDO”. Ele continuará de algum modo, resistindo. Porque há objetos que não morrem. Guardam em si a alma de quem os usou, o rastro das horas que viveram juntos. No fim, compreendo que o tempo não é inimigo, mas espelho. Ele apenas reflete o que fomos capazes de viver nem mais, nem menos. Os ponteiros do Mido talvez tenham parado, mas dentro de mim ainda giram, lembrando que cada segundo teve um propósito, cada atraso uma história, cada batida uma presença. E talvez seja isso a eternidade: não o tempo que continua, mas o instante que permanece em gravações de lembranças.

 

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Marcas no horizonte.

Fitando o horizonte as marcas do teu passo. Não é miragem, não são as impressões descalças na areia. Essas se perdem nas pequenas ondas do mar. Esse sentimento de perda em te ires para sempre deixou meu coração desalinhado como figura geométrica em alto relevo fora de foco. Mas ainda assim caminho, mesmo que em desordem, tropeçando nas lembranças que o vento e o mar insistem em devolver à minha paz. Há algo de permanente no efêmero. Uma cicatriz suave no tempo, onde o toque da tua ausência repousa. Tento redesenhar o contorno do teu rastro no ar, como quem desenha o invisível com os dedos, procurando no vazio o eco de um sorriso antigo. As horas passam lentas, como se o relógio também lamentasse. O horizonte, antes promessa, agora é linha de despedida. E eu, aprendiz de solidão, aprendo a seguir sem apagar o que ficou. Porque há passos que, mesmo quando o mar apaga, permanecem. Não na areia, mas na memória do coração que, aos poucos, tenta se realinhar novamente, ainda que torto, ainda que teu. Recolho as lembranças com o cuidado de quem recolhe conchas na beira do mar. E uma delas guarda um som, um instante, uma forma de existir que o vento não levou por completo. Aprendo, aos poucos, que há perdas que não se superam: apenas se transformam em silêncio, em calma, em gesto de seguir adiante e sem despedidas.

terça-feira, 21 de outubro de 2025

A rosa e a minha dor.

 A rosa é um símbolo da beleza que transcende a dor. Ela cresce delicada e intensa, mesmo no terreno mais árido, refletindo a capacidade de florescer apesar dos desafios da vida. Cada pétala parece carregar consigo a suavidade da esperança, enquanto seus espinhos, embora pungentes, são um lembrete de que a dor e a beleza coexistem. Ela não é apenas uma flor, é um reflexo do nosso ser das nossas cicatrizes, das nossas fragilidades e das nossas forças, inclusive as emocionais. E é nesse campo fértil, onde a dor tenta se enraizar, que a rosa se ergue, trazendo consigo uma promessa. No canto qualquer do meu coração, onde a saudade se esconde, o amor deve chegar como diz a letra de uma linda canção. Não como uma luz ofuscante, mas como um perfume suave que preenche os espaços vazios, aquecendo a alma, dissolvendo as sombras. O amor, embora tímido e distante, sempre encontra um caminho para chegar, ainda que seja necessário atravessar as tempestades. Quando olho para a minha flor, percebo que, às vezes, a dor que sinto não é a única verdade em minha vida. Há algo mais, algo que brilha, ainda que as sombras me envolvam. A rosa é como um sinal de que, por mais difícil que seja sempre há algo precioso a ser encontrado, uma beleza que vale mais que qualquer sofrimento, uma razão para seguir adiante. Ela é a representação da resiliência, do amor que floresce até nas condições mais desafiadoras, e, acima de tudo, é a promessa de que, por mais forte que seja a dor, sempre há algo em nossa jornada que vale a pena. E, talvez, isso seja o que nos mantém vivos e buscando, em meio ao caos, um motivo para continuar um amor que, no fim, sempre encontra seu lugar, mesmo que escondido num canto qualquer do coração.

 

domingo, 19 de outubro de 2025

Liberdade! Uma palavra inegociável.

Ser livre é mais do que caminhar sem correntes. É respirar o próprio destino,é abrir as asas do espírito e permitir-se ser. Liberdade é sentir o mundo dentro de si, é ouvir o chamado da alma e seguir, mesmo que o caminho seja incerto. Ela nasce do encontro com a verdade, do gesto digno do coração que não se curva diante da injustiça ou do medo. É o grito silencioso de quem ousa sonhar, de quem acredita que o bem pode florescermesmo no solo árido da dor. Há aqueles que fazem da vida um ato de resistência, que transformam o amor em força, e a compaixão em revolução. São almas luminosas que lutam por um mundo melhor, onde o respeito e a dignidade sejam a regra, e não a exceção. São os construtores de um futuro mais humano, aqueles que compreendem que ser livre é também desejar a liberdade de todos. Mas a liberdade vai além do sentimento humano ela pulsa em toda forma de vida. Há quem, com boas intenções, aprisione seus animais, achando proteger, quando na verdade os limita. Cães e gatos que olham o céu pelas frestas, aves que nunca sentiram o vento de verdade, vidas contidas em espaços pequenos, sem contato com outros animais,  para explorarem e sentirem o mundo. Liberdade não é luxo é necessidade vital, de homens, de bichos, de tudo o que respira e sente. A verdadeira liberdade é generosa: não se contenta em ser apenas individual. Ela se multiplica no olhar, no gesto, no amor compartilhado. Nasce então a gratidão por estar vivo, por poder escolher, por aprender com cada ser que divide o caminho. Ser livre é reconhecer o milagre de existir. É erguer-se diante das quedas e agradecer, mesmo em meio ao caos, pela chance de recomeçar. A liberdade é o sopro da vida. A gratidão, o perfume que ela deixa ao passar em nossas vivências. Eu vejo isso de perto quando abro a porta de entrada da minha casa em Praia Seca RJ, os canários da terra em cantos que em revoada amarelas dispersam-se em lindos sons de canto. Nada melhor do que a liberdade!

 

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Beijo que desata silêncios.

Na curva do lábio onde o silêncio adormece, há noites inteiras que pedem calor. Palavras trêmulas, nunca ditas, desejos guardados no sabor do pudor. A boca dela — pétala e segredo - grita em silêncio, geme em sonho. Carrega o peso de vontades contidas, e a sede antiga de um toque risonho. Sufocar essa solidão, não com pressa, nem com posse, mas com um beijo que saiba escutar, com mãos que leiam sua pele, com olhos que saibam ficar. É chegar sem romper, desatar os nós com carinho, respeitar o tempo do corpo e incendiar o caminho. Porque nem todo toque é encontro, mas há beijos que acendem o que antes dormia e devolvem à boca a alegria. Beijo que desata silêncios não é urgência é presença. É arte de amar com paciência.

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Entre certezas e incertezas

Não sei de onde ela veio, nem para onde vai. Sua presença foi como a de um cometa que, de repente, cruzou o céu da minha vida, iluminando-a com sua intensidade, para logo em seguida desaparecer na vastidão do desconhecido. Nos envolvemos virtualmente, uma conexão que se teceu através das palavras digitadas, os sons das mensagens de áudio e, esporadicamente, a voz através da linha telefônica. Uma relação marcada pela efemeridade, como tudo que se constrói nas redes invisíveis do mundo digital. A cada conversa, ela se abria mais, e eu, de alguma forma, sabia escutar. Ela dizia que minha voz acalmava seu coração, e de certo modo, eu acreditava que sua confiança em mim era algo raro e precioso. Mas, ao mesmo tempo, era como se uma névoa de desconfiança pairasse sobre nós, como se o efêmero da relação virtual impedisse a criação de uma base sólida, um ponto de apoio. O tempo, essa força invisível, fazia e desfazia laços com uma naturalidade inquietante. E o que seria de nós, de nossa história, senão um emaranhado de certezas e incertezas? Ela me contava tudo, desde a infância até a vida adulta, como se estivesse entregando pedaços de sua alma em cada palavra. O peso de sua juventude, suas frustrações, seus anseios, suas vitórias e derrotas estavam em cada áudio, em cada linha digitada, como se eu fosse um confidente e, ao mesmo tempo, uma espécie de espelho para suas próprias angústias. A cada novo pedaço de sua história que me contava, o vínculo entre nós se tornava mais profundo, mas também mais difícil de compreender. Entre o conforto da amizade e a incerteza do que aquilo realmente representava, havia sempre uma tênue linha, uma sensação de que talvez estivéssemos presos a um momento, sem saber qual direção tomar. Afinal, como podemos confiar totalmente em alguém que, por mais que nos revele sua vida, permanece ainda uma figura distante, fragmentada pelas limitações do virtual? A calda incandescente passou e, com ela, um pedaço de mim também se foi, guardado nas memórias que, com o tempo, serão embaladas pela poeira do esquecimento. Mas, por ora, fico com a imagem dessa relação fugaz, da certeza de que, por um breve momento, duas vidas se cruzaram na imensidão da internet, marcando-se, por um instante, como estrelas que brilham e depois desaparecem, deixando apenas a lembrança de seu brilho no escuro da noite.