Hoje inerte vejo pessoas na vertical, próximas a mim chorando:
familiares, amigos, todavia com certa alegria, as carpideiras em cantos
melancólicos alternando em louvores esplendorosos. Mosquitos de flores entram e
saem das minhas gélidas narinas. Eu sem poder reclamar com gotas saindo das
vistas descongelando o corpo que estava na geladeira. Somadas a esses prantos
entrou impetuosa toda de negro a minha eterna companheira. Ela se aproximou sem
pressa, como quem já conhece cada passo até a mim. Tocou levemente minha fronte
e, embora o mundo dissesse que eu estava morto, senti o frio de sua mão,
profundo e absoluto, mas paradoxalmente acolhedor. Ao seu toque, os sons do
velório pareceram distantes, dissolvendo-se em um murmúrio indistinguível. As
vozes, os soluços, os cantos, tudo se tornou tênue, como uma lembrança antiga
prestes a desaparecer. Apenas ela permanecia nítida diante de mim, firme,
silenciosa, inabalável. Chegou a hora! Sussurrou, mas não com a voz que se ouve
com os ouvidos. Era uma vibração que atravessava aquilo que restava de mim, sem
exigir resposta. Vi meu corpo ali, imóvel, e pela primeira vez compreendi a
estranha paz daquele instante. Não era uma partida abrupta, e sim o desfecho
exato de um caminho que sempre esteve marcado. A dor dos meus deixou de ser
peso, porque percebi que logo também se tornaria memória e reminiscência é o
que a vida usa para continuar mesmo quando desistimos de respirar. Ela estendeu
a mão. Não para me arrancar, mas para me guiar. E eu, enfim leve, aceitei. Enquanto
atravessávamos a fronteira que separa o silêncio do desconhecido, ouvi, como
último eco da existência, uma voz querida dizendo meu nome. Finalmente, chegou
a hora fatal. Senti o ranger dos parafusos na tampa, mas mantive os olhos
fechados de pavor. Em seguida o sacolejar de mãos na madeira que rangiam lá
fora. A eternidade, afinal, exige coragem. E na escuridão do cubículo às coroas
eram minhas únicas companheiras, mas elas como eu, acabarão mortas. Essa é a
verdade da vida. Nascemos com a certeza que morreremos algum dia. Portanto, a morte é inexorável,
assim como o tempo. Lá onde estou não existe contratempos.
sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
A última travessia.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário