quinta-feira, 29 de outubro de 2015

José dos Santos, o que contava aos filhos

Não fui militar, eu era um simples funcionário público, como muitos outros, mas não sei por que terminei na Capitão.
Machado era o nome dela, mesmo assim, o meu santo não ia com o dela, enfim eu não gostava dela. Tudo que sei, é que nunca ostentei títulos da realeza e nem tampouco militares, mas eles me perseguiram até o momento do desfecho, mas de alguns eu até gostei. Menezes era bom. Foi onde iniciei a minha trajetória, conquistando juntamente com a minha família, a independência tão sonhada, pois, após o casamento eu morei com a minha mãe Lucia, e deu para guardar um pouco de dinheiro, para comprar um modesto terreninho nas imediações da Praça Barão da Taquara. Comprei com um parceiro com o nome de “Job”, ele era esperto, mas creio que não era chegado ao trabalho. Por isso deram-lhe esse nome. Lá, no 139,  na Doutor Carlos Gross, foi o meu pé de coelho. Com a ajuda de meus amigos, em especial a de “Zezé molequinho”, ergui a minha casa para a acomodação da minha numerosa família, eu era feliz e não sabia. Geralmente, eu sentava no meu cantinho predileto da varanda e passava várias horas, absorto e pensando nos meus desejos realizados e sempre sonhando em conseguir melhorias para todos, entre uma tragada e outra, acompanhando os caminhos da fumaça em busca de novos horizontes. Lembro-me de que nos fins de semana eu era brindado com a visita do meu irmão Haroldo, para almoçarmos aquela deliciosa galinha assada, preparada por Moema. Muito antes disso, perdi uma das vistas num acidente doméstico. Lutei bravamente e mesmo assim não esmoreci e consegui criar meus nove filhos, sempre acompanhado da minha incansável esposa, Moema, na base de “melhores dias virão”. Um acontecimento me marcou, quando fui ao necrotério entregar mais uma vítima da morte, na função que era delegada a mim. O cidadão estava na maca inerte e movimentava o dedão do pé. Agora não me lembro de se foi o direito ou esquerdo. Corri apavorado e perguntei ao médico se haveria a possibilidade dele estar vivo. O guardião da vida informou-me que ele de fato estava morto, usando termos técnicos para aquela situação. Aí, sim, tive medo da figura que assusta principalmente as crianças com a foice na mão. E essa visão me acompanhou por muitos anos, sendo comentada em toda a minha existência aos parentes mais próximos. Os meus jalecos, bem passados e na cor alva, deixavam os pacientes intrigados. Ora me chamavam de doutor, ora de senhor, mas no fundo eu era administrador. Embora esse assunto seja “dispensário”, o meu grande companheiro Conceição, com seu modesto caminhão. Ele me quebrava alguns galhos e às vezes, me transportava de jipe do hospital Dispensário Carmela Dutra, uma prerrogativa da minha função, às vezes do trabalho para casa ou de casa para o trabalho. Na Candido Benício, minha estada foi obrigatória, tanto que estive lá, por duas vezes. Na Bernardino, eu era “doutor”, e minha especialidade “guloseimas”. Com o passar dos tempos, e sempre buscando uma melhor tranquilidade para a minha família, mudei de ares. Estive na Dona Clara e Travessa Carlos Xavier, onde adquiri outro imóvel, mas por adversidades que a vida nos impõe, tive que vender. Enfim, Madureira não me trouxera boas recordações. Com barões me empolguei e lembrei-me dos meus tempos de menino. Na Rua Bom Retiro, eu vivi algumas apreensões, mas eu não achava nada mal morar lá. Estive também na Nelson Cardoso, Godofredo Viana, Coronel Tendim e consequentemente onde foi o meu fim. O tempo passou num passe de mágica, meus filhos cresceram quase todos se casaram me deram netos e estes, bisnetos. E só um filho permaneceu com o que restou. Com muitas ferramentas que usei, lembro-me de duas que não trabalhei, porque eu não gostava. E tudo aquilo que construí, se tornou um paradigma. No entanto, a minha vida ceifou. A foice e o machado, definitivamente tudo acabou. E nos corações, a saudade de quem ficou.



Nenhum comentário:

Postar um comentário