Tenho algumas recordações da minha infância, eu deveria ter
aproximadamente uns cinco ou seis anos e algumas das quais me lembro, foi que
moramos na Rua Candido Benício com a Rua Capitão Menezes, e lá, o que ficou
gravado em minha mente foi o roubo na casa da minha avó Lucia, que estava
passeando na Pedra de Guaratiba. Da nossa casa dava para vermos a residência da
vovó. Notamos que todas as lâmpadas estavam acesas e pedimos ao nosso pai José
para nos levar até lá, mas ele acabou indo sozinho. Acho que papai estranhou as
luzes acesas e foi verificar. E para a sua surpresa o portão e a porta da sala
estavam abertos e todos os móveis revirados. Ele chegou a ouvir um barulho
vindo em um dos quartos e pressentiu que o ladrão estava dentro da casa.
Preocupado, ele recuou, pois o ladrão poderia estar armado, saindo
imediatamente da residência da minha avó, e quando a policia chegou o ladrão já
havia se evadido pelos fundos da casa. Ele nos contou na época, que talvez
fosse o Davi, um vagabundo que vivia nos botequins. Também me lembro do gambá,
um mendigo local.
Nessa mesma época, outra passagem importante em minha vida, foi quando nos
mudamos para a Rua Marangá. Lá o meu irmão Almir prendeu a mão em um arame
farpado, onde existia uma cerca. Outra passagem na mesma rua foi quando eu me
perdi tentando ir sozinho a padaria com outro irmão, de que eu não me recordo o
nome, mas acho que foi a Alice. As maiores recordações foram quando nos mudamos
para a nossa própria residência na Rua Doutor Carlos Gross, 139, um lugar tranquilo,
numa rua sem saída, onde praticamente todos os dias nós participávamos das
brincadeiras com todos os colegas da localidade. As brincadeiras ficavam
melhores quando a Prefeitura mandava a retroescavadeira, juntamente com seus
funcionários, para nivelar toda a rua. Outra mania que nós tínhamos era o vício
de soltar pipas. Nós ficávamos como de costume aos pés da jaqueira no portão do
senhor Antônio e aos pés da mangueira, na frente da casa da vizinha ao lado,
chamada Nadir, filha da dona Maria, onde meus irmãos e eu empinávamos papagaio.
Todos nós nos divertíamos alegremente e notadamente eram visíveis os confrontos
verbais e físicos com os colegas também moradores nos arredores de nossa rua,
em virtude de “cortes” das pipas, que chamávamos de cruzamento. Sob as sombras
das árvores, tínhamos que nos preocupar com a dona Guiomar, esposa do senhor
Antônio, que sempre chegava furtivamente com uma vassoura ou pedaço de pau e
sem fazer barulho nos atacava, porque além de doente, achávamos que ela não
queria que ficássemos no seu portão. O melhor lugar para empinar pipas era lá
embaixo das gostosas sombras da mangueira e da jaqueira. E na época da manga,
comíamos aquela carlotinha deliciosa. Ás vezes nós éramos cortados na mão,
termo usado quando se corta quase toda a linha da pipa empinada, porque
tínhamos que prestar atenção na dona Guiomar e observar também pelas copas das
arvores a chegada de alguma pipa. Muitas vezes quando avistávamos outras pipas
sobre as árvores, era impossível sair, sendo então cortados. De vez em quando
nós soltávamos pipa dentro da cozinha, geralmente na hora do almoço, com um
olho na comida e outro na pipa sob a guarda da Ângela ou Alice. Lá em casa não
havia água canalizada. Tínhamos um poço, mas a água só servia para utilizarmos no
banheiro, por isso nós apanhávamos primeiramente água no poço da casa da dona
Lurdes, esposa do Zezé molequinho, depois nós passamos a apanhar no poço da
casa da dona Jandira. Nós íamos chateados, porque tínhamos que parar as nossas
brincadeiras. A água daquele poço era cristalina e geladinha. Lembro-me também
do famoso “firiri”. Era um vendedor de biscoitos e pirulitos muito gostosos. O
pirulito era de açúcar queimado em forma de cone. Ele passava batendo com um
objeto em uma das mãos sacolejando e deixava a gente com grande expectativa,
mas raramente a mamãe comprava. O
mano Candido relembrou bem que pegávamos para nosso consumo a água na fonte da
casa do Sr.Juca/Dona Vitória. Lembro-me que o meu pai canalizou a água e
colocou uma biquinha perto da varanda. A nossa alegria durou pouco tempo, pois
fomos denunciados, possivelmente pelo senhor Silva, marido da dona Havanir,
tendo a nossa água sido cortada pela companhia de águas, e algumas semanas
depois a ligação foi regularizada pelo nosso pai José. Tomei uma bronca do
senhor Silva, e toda a vez que o seu neto ia lá à nossa rua e empinava uma
pipa, eu cortava. Ás vezes até na mão. Eu considerava aquilo como vingança. Nós
apanhávamos barro para ajudar ao nosso pai a concluir os cômodos da nossa casa.
Essa barreira ficava na própria rua, perto da casa de Dona Sebastiana e da casa
do senhor Juca, onde hoje mora o Betinho. O mano Candido também relembrou da
nossa prima Lígia? (já falecida) que às vezes ia lá pra casa na Rua Carlos
Gross, ela tinha um problema de cabeça, mal resolvido, falava muito sem parar o
dia todo, parecia uma maritaca. E a visita da tia Odete? No dia em que ela
chegou prometeu que iria a praia conosco no dia seguinte, ficamos ansiosos, e
no dia do evento por volta do meio-dia, iria começar fazer o seu biquíni de
praia... Nada aconteceu... Que frustração, ficamos chateados... E o nosso
ritual de todos os domingos? Ir a missa, depois fazer a feira da gente e para
vovó Lúcia, na Praça Seca, a ida era tranquila, mas a volta a pé, cheio de bolsas
pesadas, uma delas feita pela mamãe, que era enorme e debaixo de sol era
terrível. Algumas lembranças do Tio Haroldo, de ir até a Cooperativa do BB, na
Praça da Bandeira, levando a lista de compras, o caminhão entregava em casa,
precisamente na casa da vovó, e quando as compras chegavam os nossos rostos
ficavam estampados de alegria. Afinal a vovó comprava bastante doce. Outra
recordação era que, às vezes, no carnaval o tio Haroldo levava a gente para
pular no baile infantil na AABB-Lagoa, só a viagem de Jacarepaguá para lá já
era uma grande distração, E certa vez, no Natal, o tio foi nosso papai Noel,
ganhamos carrinhos (um de cada cor) e das meninas não me lembro. A mana Angela
Lembra do ingá na casa da dona Sirene. O mano Almir se lembrou do campeonato
de sinuca, esta feita pelo próprio Gominho, pois ele era marceneiro, (meu
compadre), marido da dona Neide. A mana Angela lembrou-se que o Iran a salvou
de ser queimada, também havia um homem que varria o telhado da casa de dona
Glorinha, senão me engano, avó do Ricardinho. Tinha também a Dona Toquinha que
aplicava injeção quando ficávamos doentes. O filho dela Tacico, às vezes jogava
bola conosco. Frequentamos também o curso para admissão ao ginásio na casa da
dona Nilza, (ela não nos cobrava nada), que tinha uma antiga rixa com o
General, que também lecionava um curso na Rua Maricá. Às vezes nossos primos de
Nilópolis iam lá para a nossa casa e nós também íamos a casa deles. Era uma
interação muito boa. A mana Angela também lembrou que quase perdeu a vista em
uma brincadeira de índio se não me engano o Almir sem querer mirou a flecha,
(feita com bambu e na ponta, alfinete amarrado com linha), erradamente indo
cravar bem próximo ao seu globo ocular.
Às tardes, como de hábito, íamos à várzea praticar futebol, ora perto da casa
do senhor Joaozinho e ora ao lado da casa do Ricardinho, quase em frente à
residência dona Donga. Em ambos os lugares, também, às vezes por entrada
desleal de companheiros adversários, as brigas ressurgiam. Com um pouco mais de
idade nós pedíamos a nossa mãe para jogarmos num campo maior, e esse campo
ficava no inicio de outra rua. A dona Moema, nossa mãe, passou a deixar a gente
a jogar no campo da Rua Dias Vieira, mas antes tínhamos que varrer o quintal
que era muito grande. Jogar lá era muito bom, mas havia um fato ruim. Dado o
terreno ser muito charcoso, quem isolasse a bola, teria que pegá-la sob o risco
de voltar com as pernas cheias de sanguessugas. Às vezes a nossa irmã Ângela ia
à beira do campo para avisar que a mamãe queria falar conosco, com o
tradicional: - “Mamãe tá chamando!”. Nós ficávamos injuriados, mas íamos
atendê-la. Quando acabava o jogo, voltávamos correndo e quem chegasse primeiro
em casa, tomava banho. E nessa disputa o Almir e Marco que eram menores levavam
algumas desvantagens. Ainda me recordo de que dormíamos todos num mesmo quarto
e numa noite as luzes estavam apagados, quando vimos um facho de luz
direcionado para o quadro do meu falecido avô Armando, pai da mamãe, ainda com
medo me levantei e coloquei a mão na frente do quadro e para a minha surpresa a
luz atravessou a minha mão e ficou estampada na gravura que era um barco
ancorado na água e ao fundo uma casa. Nesse mesmo momento saímos todos, Alice,
Candido, Marco, Almir, Ângela, não me lembro de se a Aninha estava, e eu,
correndo para o quarto da mamãe aos gritos, passando quase todos ao mesmo tempo
pelo portal, pois para nós aquilo era assombração. A mamãe nos tranquilizou e
disse que vovô havia nos visitado. Aquela noite ninguém conseguiu dormir
direito.
Lembro-me também que no inicio de nossa rua havia um barracão, e achávamos que
ele era mal assombrado. Eu ficava preocupado com o Candido, que sempre vinha da
escola tarde da noite, mas acho que ele não se importava com isso. Na porta da nossa cozinha não havia
fechadura, e o Candido tinha uma técnica especial de colocar o botijão de gás
travando a porta, para protegê-la de “ladrões”.
Nas comemorações juninas, fazíamos as festas na nossa casa, que tinha um
terreno enorme, com a soltura de rojões e balões os quais a maioria não chegava
a subir em virtude de o nosso primo Waldair encarregar-se de queimá-los por
estar com a cabeça com uma quantidade considerada de quentão. Mas tudo era
alegria. Participávamos também das festas juninas na casa do senhor Joaozinho
que fazia uma enorme fogueira que ficava queimando até por três dias. Nós
comíamos batata doce assada, aipim assado, cana assada, etc. Enfim, era uma
verdadeira festa! Dávamos prosseguimento às festas juninas por meses.
Apanhávamos as madeiras e fazíamos fogueiras quase que diariamente em frente à
casa do Cassio. Às vezes quando não tinha vento, nós aprontávamos com os nossos
colegas. Amarrávamos uma linha no balão japonês, geralmente à noite, o balão
subia e quando se apagava, puxávamos até a nossa casa e os colegas ficavam
atônitos, doidos para apanhar o balão e reclamavam, porque sempre o balão
“caía” lá em casa.
Lembro-me das idas ao morro, especificamente ao Coque da Velha, onde o nosso
querido e falecido tio Armando desbravava o mato com um grande facão. No morro
tinha uma nascente na Pedra da Navalha, onde bebíamos muita água e comíamos
caju, a fruta comum daquele local.
Sempre éramos surpreendidos com o barulho da sirene da pedreira que partiam as
pedras com poderosas cargas de dinamite. Lembro-me que uma vez uma vaca
escorregou e rolou ribanceira abaixo. Os moradores se deslocaram para o morro
aonde ela havia morrido e trouxeram os pedaços de carne, exibindo-as para nós. Criamos também o teco das quatro
horas. Nós jogávamos pedras a esmo nos telhados dos vizinhos e por azar a
maioria das pedras caiam na casa de dona Jandira que ficava muito exaltada,
dizendo: - Era uma pedra desse tamanho, tá bom. A dona Jandira reclamava com a
mamãe para saber de nós quais seriam as crianças que jogavam as pedras em seu
telhado, então decidimos não fazer mais o famoso teco das quatro.
Brincávamos também de bandeirinha, pique tá, pique esconde, carniça, vôlei,
bola de gude, pião, ferrinho, enfim todas as modalidades da época. Atrás, na
parte lateral de nossa casa, havia uma pedra enorme, às vezes íamos à parte
mais alta da pedra para também moer vidro e misturar com cola, fabricando o
cerol, coisa que peço veementemente aos jovens de hoje não praticarem, e
soltávamos pipa naquele lugar, mas era perigoso ficar lá por dois motivos:
porque poderíamos escorregar e também com os pés de Umbaúba, caso a linha ou
pipa tocasse em suas folhas ficavam presos como imantados pela aquela planta. O
papai e a mamãe também faziam cestinha com papel celofane de várias cores com
flores e também para adornos os morangos, que ate pareciam verdadeiros. Aos
domingos o papai levava as flores fincadas numa pita à feira. Ele costumava
voltar com a pita inteiramente vazia e contente pelas vendas. Lá em casa nós
tínhamos várias árvores frutíferas. Eu gostava de comer romã, era docinha. Eu
só apanhava a fruta quando ela começava a rachar aparecendo àquelas bolinhas
vermelhinhas. No final do nosso terreno tínhamos um pé de amoras, que também
eram docinhas, principalmente quando ficavam roxinhas. Comíamos também
amêndoas, brancas ou vermelhas, fruta do conde, banana. Ás vezes eu também
tirava do pé a flor papoula e chupava a parte de baixo da flor, era docinha.
Comíamos também oiti, tamarindo, etc., que ficavam plantadas nas casas dos
vizinhos.
Apanhávamos também no quintal do senhor Joaozinho o fruto chamado ingá. Era
parecido com a vagem, de cor verde, por dentro ele era branco com fibras e caroço,
mas era docinho. Morávamos em frente à quadra da Escola de Samba Império do
Marangá e toda vez que havia uma atração, nós íamos lá para participar assistir
aos eventos. Os meus avós Lucia e Agenor, que residiam na Rua Capitão Menezes,
725, tinham sempre a nossa companhia, e todos os dias sem exceção tínhamos que
passar a noite com eles, por serem idosos os meus pais achavam que deveríamos
pernoitar lá, caso se sentissem mal, principalmente de madrugada, poderíamos
providenciar o socorro, solicitando auxilio a alguém. Também, lá na Rua Capitão
Menezes nós soltávamos pipa e a briga era para escolher o cantinho que tinha um
ventinho encanado. O senhorio da vovó se chamava Oliveira, que morava na mesma
rua bem perto da casa da vovó, onde é hoje o supermercado Mundial, inclusive a
casa da vovó também, e sempre que podíamos nós pedíamos ao senhor Oliveira a
fruta sapoti. Como era saborosa aquela fruta.
Sempre que jantávamos na casa da vovó, ela fazia o suculento bife, juntamente
com o inigualável feijão preto com torresmo. Mas só poderíamos comer quando o
Agenor cortasse o ultimo pedaço de carne da ultima pessoa que estivesse
sentada. Ele era o verdadeiro fiscal da comida.
Às vezes o papai apanhava a mangueira d’água e nos dava banho em conjunto, e o
Marco tinha um pouco de medo, se preocupando para que o papai “não se
molhasse”. E papai respondia: - Não tem problema não meu filho, o papai não tem
medo de se molhar. Outro fato de que me recordo, foi que o nosso avo Agenor nos
períodos de carnaval, sempre partia uma mortadela inteira em quatro partes
iguais, para que não detonássemos a mesma, no primeiro dia de festa. Lembro-me
ainda que em um desses carnavais o tio Haroldo nos levou à cidade para
apreciarmos a festa e ele disse: - Se quiserem deitar na Avenida Rio Branco
aproveitem, porque hoje é carnaval. Aquele dia foi inesquecível, porque não
estávamos acostumados a passear na cidade e lá haviam muitas pessoas
fantasiadas, as quais nos metiam medo.
Também fomos agraciados várias vezes com os presentes de Natal do nosso tio
Haroldo. Um desses presentes foi o livro: Histórias de Sherazade. Lembro-me que
cada um de nós recebeu um exemplar. O meu tio Haroldo trabalhava no Banco do
Brasil. Quando ele chegava do trabalho, trazia o jornal O Globo e eu lia as
historinhas do Brucutu, Mandrake, Fantasma, etc. Essas historinhas vinham
estampadas no interior do jornal diariamente. Na hora de dormir, nós fazíamos
um fabuloso lanche, e às vezes antes de dormirmos participávamos do jogo papa
tudo ouvindo o programa miss campeonato transmitido pelo rádio. Era muito
divertido. Tínhamos uma rixa com a vizinha chamada Lurdes, apelidada por nós de
(Nêga). Ela fazia tudo para nos prejudicar. O seu marido era um senhor
franzino, chamado José e apelidado de Zé o qual fazia tudo o que ela queria.
Ele era frouxo. Ela também gostava de fazer macumba para nós e, constantemente,
ela era observada por mamãe que ficava apreensiva observando-a pela fresta da
janela do banheiro. Em um dado momento a minha avó adoeceu e a minha mãe era
quem preparava o almoço e a janta para eles. Nós levávamos as refeições através
de uma única condução que era a bicicleta marca Astória, a qual quebrava os
nossos galhos inclusive para irmos ao armazém do Zeca. Todos os sábados éramos
autorizados a comprar doces e o meu predileto era a cocada de batata. Quase
todos os sábados à noite éramos brindados com a presença do falecido amigo
Domiro, que ensinava os primeiros acordes de violão ao meu irmão Candido e logo
após da série Bonanza, tomávamos aquele delicioso chocolate com pão, feito pela
mamãe. Papai gostava muito de ir ao cinema, e quase sempre à noite, ele trazia
para a casa após a sessão de cinema, pão de forma e presunto, e eu, às vezes,
ficava aguardando a mamãe fazer o sanduiche e distribuir para quem estivesse
acordado para comer aquele sanduiche delicioso. No dia seguinte, aquele que
comeu na noite anterior não tinha direito a repetição.
Eu tenho até hoje um acordeon da marca Scandalli, que o Agenor me deu, mas não
aprendi a tocar. De vez em quando tento fazer uns acordes para os meus filhos.
Na nossa adolescência, por volta de 1967, deixamos a nossa residência e fomos
morar na Candido Benicio, 2080. Os meus avós morreram, a minha avó Lucia morreu
antes do meu avô Angenor. Ainda me lembro de que no dia que entreguei ao senhor
Angenor o meu convite de casamento, ele ficou quieto, e em poucos dias ele
baixou o hospital, para se despedir da vida. Acho que ele ficou triste com a
aproximação do meu enlace matrimonial, mas aí é outra história. Apesar disso,
minha infância, foi muito boa e creio que a dos meus irmãos também. O início de uma nova vida
A outra história a que me refiro, ainda morando na Rua Carlos
Gross, foi quando decidi trabalhar para ganhar o meu próprio dinheiro. Eu ainda
era menor e fui ao centro da cidade, postular uma vaga, precisamente num
escritório de advocacia, através de anuncio de jornal, na Av. Churchil, no
Castelo, onde fiz a inscrição para o meu primeiro emprego. Os serviços que
foram propostos a mim, era chegar às seis horas da manhã, limpar o banheiro,
fazer o café e entregar cartas. De pronto eles me entregaram as chaves do
escritório. Quando cheguei a minha casa, fui interpelado pelo meu pai sobre o
emprego e passei a ele a proposta daquela empresa. O meu pai falou que eu
estava estudando e a proposta era indecente, afinal ele não queria que eu
lavasse banheiro, e mandou-me entregar a chave do escritório no dia seguinte.
Após alguns meses me apresentei em uma empresa multinacional, através de
anúncio de emprego, para o cargo de Office boy. Ao ser entrevistado, pelo
senhor Hélio Correa, após ter encarado uma longa fila, me foi perguntado se eu
conhecia o Ministério da Fazenda, do Trabalho, Lapa, Castelo, e respondi que
não conhecia. Ele retrucou e me perguntou então: - Como você quer trabalhar se
não conhece nada? Eu respondi: - Senhor, um dia eu aprenderei e conhecerei
esses lugares. Na mesma hora o senhor Hélio mandou todos que estavam na fila a
irem embora e me admitiu para a empresa The Sydney Ross Co, onde fiquei até
outubro de 1977, sendo demitido a pedido. Com o meu primeiro salário comprei
uma enceradeira da marca Arno, para a minha mãe. O que mais me marcou foi à
compra de vários pães de forma e uma peça de queijo nas casas da Banha em
Cascadura, ao pé do viaduto, tendo o papai limpado o ferro de passar e feito
vários queijos quentes, isso foi numa sexta feira, e no sábado a procura do banheiro
foi bastante concorrida. Ainda bem que eu não trabalhava aos sábados, porque
ainda era estafeta. Conheci na vila em que morávamos, na Rua Candido Benício,
2080, por volta de 1967/1968, uma pessoa muito especial. A minha esposa Tania. O
nosso primeiro contato verbal foi quando comprei pão, se não me engano, numa
noite de sábado e ela me perguntou aonde seria o café. Eu respondi que seria na
minha casa e a convidei para tomarmos o café com pão. Ela agradeceu, mas
declinou do convite.
Eu a vi, quando ela foi limpar a casa em que os meus sogros iriam morar, no
lado oposto da vila. Eu residia na casa quatro e ela foi morar na casa nove.
Depois do convite do café com pão, passamos a ficar no portão, conversando com
os amigos, Paulinho, Robertinho, Armandinho, Lincoln, Teresa, a falecida
Ingrid, minhas cunhadas Sandra, Ana e alguns colegas da Rua Pedro Teles, sobre
os temas nacionais, pois, vivíamos sob o jugo militar. Falávamos também sobre músicas e às
vezes tocávamos violão. Nessa época nós tínhamos a bossa-nova e ye-ye-ye, sob a
batuta de Roberto Carlos, mas eu particularmente gostava mais da MPB, em
especial a bossa-nova, o que fazia nos aproximarmos mais das meninas que
estavam entre nós. Fui convidado a participar da festa de quinze anos da Tania
e todos sabiam que eu estava gostando dela. E o Lincoln, que também estava
interessado nela, me falou que tinha perdido a parada para mim, porque achava
que ela também sentia alguma coisa na troca de nossos olhares, razão pela qual
em uma festa junina, lá mesmo na vila, eu a pedi para ser a minha namorada.
Primeiramente, iniciamos o namoro no portão da vila, depois o meu sogro
descobriu e proibiu a Tania e a Ana que era a namorada do meu irmão Candido, de
namorar no portão, nos convidando a entrar na sua residência. Lá fui sabatinado
pelo meu sogro. O senhor Gerdal. Na verdade ele queria saber quais eram as
minhas intenções. O meu falecido sogro Gerdal, numa noite, se não me
engano num sábado, na primeira semana em que eu frequentei a sua casa,
sentou-se na soleira da porta da sala e começou a limpar o revolver calibre 38,
como que dissesse: - Aqui o chumbo come! Ainda não se ouvia Zeca Pagodinho com
a música: O pai coruja! Mas eu não levei a mal, a intenção do meu sogro, porque
hoje eu compreendo o seu recado, pois também sou pai. A Tania e eu passeamos
bastante, sempre tendo a companhia da minha cunhada Sandra, que não largava a gente
a sós, em nenhum segundo. A Tania tinha um namorado, que também perdeu a parada
para mim. Eu tinha um magnetismo que impressionavam as meninas. Em 1969,
marcamos o nosso noivado e aos poucos fomos comprando o nosso enxoval para o
casamento. No dia quatro de setembro de 1971, nós realizamos o nosso sonho na
Igreja Nossa Senhora do Sagrado Coração de Maria, na Praça Seca, sendo oficiado
pelo padre João.
Eu já ocupava um cargo melhor onde trabalhava na empresa multinacional
mencionada acima. O meu compadre Ulisses me ajudou na colocação de lustres no
apartamento que aluguei na Rua Ana Teles, 565. Naquele lugar nasceu o meu
primeiro filho, precisamente no ano de 1972, chamado Marcelo. Nunca esquecerei
o dia 29 de julho. Quando o Marcelo nasceu, eu perdi completamente a voz, pois
era marinheiro de primeira viagem. E nesse dia ganhei pela primeira vez uma
milhar no jogo de bicho. A milhar fora 2517. Nessa mesma época comprei o meu
primeiro carro. O fusquinha verde pastel que só me deu alegria. Nós passeávamos
todo o fim de semana, ora visitando parentes, ora indo à praia, sítios etc. Eu
fazia muita hora extra, isto possibilitou que vivêssemos bem. Em seguida,
precisamente no dia primeiro de setembro de 1973, nasceu a minha filha Glaucia.
Depois fomos morar na Rua Albano, 211, que também era uma vila. De lá, eu me
lembro de que tive um acidente de carro na Rua Atininga, tendo o carro perda
total. Graças a Deus saí ileso daquela batida. Acabei vendendo o carro e
comprando um autorama para o meu filho Marcelo. Preocupado com a aposentadoria
do meu pai, que ganhava pouco e com esperança de melhorar a minha vida,
compramos em sociedade um bar na Rua Antonieta, no ano de 1977. Lá só tivemos
insucessos. Fomos assaltados várias vezes, razão pela qual tivemos que vender o
negócio e desfazermos a nossa sociedade. Nessa época eu morava na Rua Carlos
Xavier, também numa vila. Eu tive uma enorme dificuldade para me inserir no
mercado de trabalho novamente. Em 1979, me mudei para o Condomínio Residencial
Marangá, no bloco 12, apartamento alugado pela tia da Tania, cujo nome é Iná,
onde consegui iniciar a minha nova trajetória em 1980, e fui trabalhar na Rhem
Metalúrgica, em São Cristóvão. Lá eu fiquei por pouco tempo. Nesse interim eu
soube que o BNH havia aberto inscrições para o seu concurso. Nessa época eu
estava com a minha situação financeira muito ruim e liguei para o meu irmão
Candido, que trabalhava na agência do Banco do Brasil, em Volta Redonda, para
que me enviasse o dinheiro para eu pagar a minha inscrição, via ordem de
pagamento daquela instituição bancária. No mesmo dia eu fiz a inscrição e
passei no concurso, mas somente em 1982 fui admitido pelo banco, precisamente
no dia treze de dezembro. Mas antes disso, em 1981 o Ulisses conseguiu através
de um amigo da Petrobras um emprego na Petroserv, depois fui trabalhar na
Brasdril. Ambas são empresas de prospecção de petróleo, que atuam em Macaé, no
Rio de Janeiro. Em 11 de dezembro de 1984 nasceu a minha filha Aline e a minha
vida teve uma nova reviravolta. Em 1985, comprei o meu primeiro imóvel no bloco
06. Em novembro de 1986, outra frustração, o BNH foi extinto e o decreto dizia
que a Caixa Econômica Federal a seu critério, ficaria ou não com os empregados
do extinto Banco. Fizemos as famosas vigílias e conseguimos que a Caixa nos
readmitisse, afinal, ela havia admitido os empregados da extinta Delfim, que
nem concursados eram. Em 1987 reiniciei as minhas funções no prédio da Agencia
Almirante Barroso até 1997 onde me aposentei, sendo a minha última lotação na agencia
do município de Itaguaí. Em 1988, realizei o sonho da minha filha Glaucia com a
festa de seus quinze anos no Country Club da Praça Seca. Lá compareceram umas
quatrocentas pessoas. A festa foi muito bonita. Em 1989, o meu filho Marcelo
surtou e perdeu a oportunidade de seguir a sua vida na Marinha. E numa dessas
atabalhoadas decisões, que chamamos de rebeldia de adolescente inconsequente,
nasceu a Natália, fruto dele com a minha finada nora Patrícia, que faleceu em
1993. A partir de 1990 comecei a frequentar a Costa Verde e aluguei uma casa em
frente à praia, na localidade de Muriqui, em principio como veranista e a
partir de 1994 fixamos a nossa residência por lá. Em 14 de novembro de 1991,
nasceu o meu filho caçula, o Augustus. Confesso que fui um pai um pouco ausente
para o Marcelo e Glaucia, pois eu trabalhava em dois empregos e
consequentemente tinha pouco tempo para atender as carências deles. Para mim o
que importava naquele momento era só ganhar mais dinheiro para manter a minha
família num patamar mais tranquilo. Já em Muriqui, a Aline e o Augustus tiveram
maior assistência da minha parte e pude curtir mais as fases das adolescências
deles. Umas das brincadeiras com o Augustus era o: Tá sem goleiro! Onde
saíamos correndo para o portão da vila e o Augustus chutava a bola para eu
defender. Lembro-me também que o Augustus ganhou de presente de papai Noel um
jogo Nintendo, eu acho que ele tinha cinco anos e eu sempre brincava com ele.
Numa dessas brincadeiras sem querer eu teclei um fatality. O Augustus começou a
chorar porque queria que eu o ensinasse a fazer essa finalização no jogo, cujo
adversário morria, digamos de forma mais violenta, e eu não sabia como
explicar, porque teclei varias vezes o joystick e não gravei o que eu teclei.
Nós brincávamos também no Iate Clube de Muriqui jogando futebol de salão. Em
1998 comprei o primeiro computador para eles, numa viagem que fizemos a
Brasília em visita a minha filha Glaucia que já estava casada e morava lá.
Nós fizemos a transferência da Aline, que estudava no Externato Geremário
Dantas, para a Escola Municipal Nossa Senhora das Graças, em Muriqui, e fomos
morar efetivamente na Rua Primeiro de Maio, 603 que por coincidência é a rua
onde fica a escola, onde moramos até hoje. Fomos a Muriqui a passeio e também
para visitar o Orlando, apelidado de cocoroca, que era tio de sangue da minha
mulher Tania e considerado por mim como um grande tio também. Era uma grande
pessoa. Ele havia se desligado da Marinha Mercante e da mulher, que o colocou a
bancarrota, indo morar lá sozinho. Ele dizia que bebia somente três qualidades
de bebida: a nacional, estrangeira e falsificada. Ele ficava bastante alegre, mas
eu nunca vi o cocoroca bêbado. Nós já gostávamos do lugar, pois em 1976,
havíamos passado o carnaval lá, com os meus pais e alguns irmãos. E daí nós
achamos uma casa em frente à praia, a principio para passarmos o feriado da
semana santa. Então pensamos em alugá-la por tempo indeterminado para nos
distraímos aos fins de semana. A forma de aluguel era em dólar. Nós e o
cocoroca frequentávamos várias barracas e conquistamos muitos amigos. Podemos
falar do falecido Humberto, apelidado por nós carinhosamente de “sumô”, por se
aparentar como lutador desse esporte, dono do quiosque Brisa Nova, que em 1993,
me pediu que eu fizesse um samba para o bloco com o nome do quiosque. A festa
de carnaval foi maravilhosa. Ele alugou o carro de som, mas o puxador do samba não
veio, então tive que improvisar e fiquei cantando para muitas pessoas que me
chamavam de poeta, pois entreguei a eles as cópias das letras com o tema do
bloco: O Brisa Nova só respira poesia!
Participamos também do bloco do carnaval do ano anterior, se não me engano em
1992, do nosso amigo Barão. A Glaucia foi fantasiada de baronesa e a festa
desse carnaval também foi muito boa. O Augustus ainda não andava, ele tinha
três meses, ficando no colo do João e a Tania, Marco, Marilene, Ângela,
cocoroca e eu ficamos ajudando na bateria. Frequentávamos também o quiosque do
Vitor, onde fazíamos serestas ao som do violão dedilhado por mim. Nas serestas
compareciam o Roberval e a esposa Emir, Agenor, às vezes Domingos e esposa,
Humberto e esposa etc. Na beira da praia também frequentava o saudoso Senhor
Toninho, que era dono de uma empresa de ônibus e toda a vez que ele ia a
Muriqui, pedia ao seu segurança Jonas, para me avisar que ele estava me
esperando no quiosque Sol de Verão. O que mais me emocionava era quando ele
pedia que eu dedilhasse alguma musica e ele declamava versos sobre o seu pai e
chorando desabafava através dos versos, todo o seu sentimento escondido no
peito. Era de arrepiar. Depois todos ficavam esperando ele abrir uma cerveja
como se estivesse brindando ao seu pai, voltava a conversar e a cantar como se
nada tivesse acontecido. O Toninho morreu sem concretizar a sua intenção. Ele
havia dito que daria de presente a mim e a Tania, pela passagem de nossas bodas
de prata uma viagem à Nova Iorque, em um apartamento que era de sua
propriedade. Ele gostava muito de nós. Mas Deus o levou. Ele tinha uma Mercedes
Benz e em uma viagem, se não me engano a caminho de Brasília, seu carro colidiu
com outro veículo e ele e a sua esposa morreram. A casa dele ficava em frente
ao quiosque Sol de Verão, que hoje é uma pousada. Toda a despesa no quiosque
Sol de Verão que também era frequentada por mim e minha família era paga pelo
senhor Toninho. Obviamente quando ele participava das serestas conosco. Ele não
admitia que ninguém pagasse a conta e o Alcides, que era o responsável pelo
quiosque, atendia a sua solicitação. A Glaucia namorava o Alberto que me
ajudava, pois tocava violão também. Ele com letras de músicas contemporâneas e
eu com letras de músicas mais antigas. Assim nos revezávamos, e ninguém se
cansava. Nós fazíamos também quase sempre aos fins de semana seresta na
nossa residência, onde compareciam o meu irmão Candido, com o seu inseparável
violão, o nosso querido Marrom com o seu trompete e vários amigos que gostavam
da boa música. No dia 30 de janeiro de 1996 o nosso cocoroca faleceu e a partir
daquela data nunca mais fizemos seresta nem em casa e nem à beira da praia. Em
1998 me tornei proprietário em Muriqui. Comprei um imóvel, situado na Rua Minas
Gerais, 529. Ele media 15 x 40 metros. Em 2007, comecei a construir casas neste
terreno para vender. Em 2010 arrematei um imóvel num leilão da prefeitura em
Vila Valqueire, situado na Rua Anália Franco, 258 casa 36. Estou reformando o
imóvel para retornar ao Rio de Janeiro e dar continuidade as nossas vidas.