Eu sempre fui tímido. Relativamente feio, com muita dificuldade
para um relacionamento com as meninas da minha idade, na escola pública, isso,
nos idos anos sessenta. Com pouco conteúdo de lábia, por motivos óbvios, já que
naquela época, nós não tínhamos a fartura contemporânea de opções, para a
melhoria do vocabulário, eu era limitado à Barsa, entre outras enciclopédias,
para explorar o meu conhecimento e ter assuntos para uma relação interpessoal.
Lembro-me vagamente que, aos doze anos, enfim, decidi sobre minha vida. Já que
eu não poderia mudar a natureza, o constrangimento de inferioridade perante
colegas, então comecei a investir na minha independência. Lia vários jornais na
casa da minha avó. ‘O Diário de Notícias’, ‘O Globo’, ‘Jornal do Brasil’ e às
vezes os sanguinários ‘Ultima Hora’ e ‘A Luta Democrática’, como também o saudoso
jornal dos ‘Sports’. Aos catorze anos, eu fui ao Ministério do Trabalho e tirei
a minha primeira carteira de trabalho. Ela era de capa grossa, na cor verde,
com o logotipo da República. Àquela façanha, encheu-me de brios. Comecei a
trabalhar como ‘Aprendiz de Arquivista’, que nada era um entregador de cartas,
não menosprezando o pessoal que atualmente ainda pratica esse serviço. Naquele
período, havia o racionamento de luz. Eu trabalhava no décimo sétimo andar do
Clube Militar, lá no final da Avenida Rio Branco. O prédio ficava em frente ao
cinema ‘Odeon’, na Cinelândia. Eu não tive muita sorte nessa empreitada. Todas
às vezes que eu ia entregar as correspondências do setor de compras da empresa
em que eu trabalhava o local estava temporariamente sem luz. Eu era obrigado a
subir as escadas por vários andares, de modo a cumprir minhas obrigações.
Depois de quase um ano nessa atividade, eu fui promovido. Passei a controlar os
remédios em estoque, na administração da fábrica ‘The Sydney Ross Co’, hoje, o ‘Shopping
Guadalupe’. Essa atividade demandou com o auxílio da matemática, uma elaboração
de planilhas, tudo à mão, que foi aplaudida pela minha chefia superior, porque
por iniciativa própria eu implantei esse sistema de conferência, com o nome dos
remédios em ordem alfabética. Pela minha espontaneidade de regular a entrada e
saída de produtos, eu recebi uns trocados a mais. Afinal, eu tomava conta de
mais de cento e vinte produtos. Por isso, o meu sorriso em suplantar as minhas
expectativas. Em seguida, já na maioridade eu dediquei-me à poesia, impulsionado
pelas fabulosas letras da bossa-nova, alguma dos ‘Beatles’ e Roberto Carlos.
Mas isso, é outra história. Consegui espantar os medos que me afligiam e ainda hoje,
apesar das lembranças, eu sorrio por minha determinação que norteou a minha
vida alçando novos pensamentos para o futuro, uma característica de quem quer
vencer afastando obstáculos. Hoje, desgastado pelo tempo, o senhor da razão, eu
sigo sem plásticas. Orgulho-me mesmo com as marcas do tempo, sem acobertar a
mentira das verdadeiras máscaras procedimentais.