A chuva escorria pelo vidro da janela quando percebi que a primavera insistia em ficar. As árvores ainda floridas pareciam não se importar com o calendário, exibindo um entusiasmo quase provocador. Foi então que notei o outro detalhe da manhã: você não estava ali. Acordei sozinha. Sem o calor do seu corpo, sem o som da sua respiração tranquila que, tantas vezes, me arrancava um sorriso ainda de olhos fechados. A casa, cúmplice do silêncio, guardava um frio discreto deixado pela sua saída apressada. Era o trabalho, essa rotina que nos rouba minutos, horas, pedaços inteiros do dia, e agora também as primeiras luzes da manhã. Enquanto a natureza celebrava lá fora, meu travesseiro vazio fazia questão de lembrar que nem toda beleza consola. Às vezes, ela apenas acentua a falta. Na cozinha, o café exalava o aroma de sempre. O mesmo de todos os dias. Ainda assim, algo faltava. Seu riso. O “bom dia” dito quase em segredo. Olhei ao redor e percebi que a casa estava cheia de você: a toalha ainda úmida no banheiro, o livro esquecido na mesa de cabeceira, a desordem leve que só existe quando duas vidas se misturam. A solidão daquela manhã tinha gosto amargo, mas não definitivo. A primavera, teimosa e viva, parecia sussurrar que ausências também são passageiras. Que o dia avançaria, a chuva cessaria, e ao entardecer a porta se abriria outra vez. Então, como sempre, seu corpo encontraria o meu e necessariamente a casa voltaria a fazer sentido.
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