Há cinquenta anos, precisamente neste dia quatro de setembro,
dois jovens embarcavam numa canoa e iniciava-se uma nova trajetória pelo rio,
rumo ao mar, com pensamentos de ondas leves e navegáveis. Nós atravessamos
muitas corredeiras. Encontramos várias pedras pelo caminho, afinal éramos
principiantes nessa nova empreitada. Os primeiros dez anos foram
complicadíssimos. Recém-saídos da adolescência, a Tania com 18 e eu com 21 anos,
fomos com a cara e a coragem, como diz a expressão, sem bens materiais, e, com
o humilde salário da empresa onde eu era funcionário, procurar com muita
firmeza e convicção mais um desafio de constituirmos uma nova família. Atravessamos
as correntezas tenebrosas e perigosas com várias instabilidades. A canoa foi
abalroada pelas pedras, nesses trajetos, várias vezes, mas não furou e nem
quebrou. Por conseguinte, um período em que tivemos várias dificuldades na
construção desse projeto de vida. Inicialmente, e com as graças de Deus vieram
ao mundo dois filhos: Marcelo, nascido em mil, novecentos e setenta e dois e
Gláucia, nascida em mil, novecentos e setenta e três. Nós pagávamos aluguel.
Não éramos estruturados, e querendo, sobretudo, enfrentar os novos obstáculos
em nossos caminhos. Eu, como sempre,
corria atrás do nosso prejuízo, advindo dessa ideia, à procura de melhores dias
com finalidade de proporcionar um conforto condigno para todos, vendendo nos
fins de semanas, laticínios oriundos de Juiz de Fora. Sem expectativas com
relação ao futuro e devido à urgência da nossa situação eu pedi demissão do
emprego em uma indústria farmacêutica, e, com o dinheiro da indenização tentei
um novo projeto de vida. Movido por uma nova aposta em minhas pretensões, eu
procurei ser empreendedor juntamente com José, meu pai, que já estava aposentado.
Tornamo-nos sócios de um estabelecimento comercial, mas sem conhecimento do
ramo, essa investida também foi ineficaz para nossos planos. Meus e os dele
também. Essa tentativa infrutífera
piorou ainda mais a minha situação, porque para eu retornar ao mercado de
trabalho dependia de uma nova assinatura da carteira, e eu já estava há algum
tempo na atividade de empregador, pagando a cota do INPS sobre o salário mínimo
da época, o que dificultava ainda mais o meu ingresso em outras áreas, celetista.
Naquela época a informalidade era bem menor. Com acertos, erros e decepções,
enfim, eu consegui em mil novecentos e setenta e nove depois de enviar vários
currículos, um emprego como auxiliar administrativo em uma metalúrgica, na
localidade de São Cristóvão. Posteriormente, através de indicação do meu amigo
e compadre Ulisses, eu fui admitido em uma empresa de prospecção de petróleo.
No segundo decênio, deu-se o início a dissipação de anos sombrios e nós vimos
surgir muito longe no horizonte uma imensa quantidade de água, agora azulada,
mas ainda em turbulência. Especialmente, e com as graças de Deus, já na segunda
década de matrimonio, novamente, a vinda de mais dois filhos. Aline, nascida em
mil, novecentos e oitenta e quatro e Augustus, nascido em mil, novecentos e
noventa e um. A canoa suportou com seis pessoas em seu interior, e com as
crianças sob a nossa tutela as funções, minhas e da Tania aumentaram ainda
mais, com a responsabilidade de salvaguardá-las. Com o apoio do meu irmão Candido,
eu fiz inscrição para o Banco Nacional da Habitação, isso ainda em mil
novecentos e oitenta, onde fui aprovado naquele certame público e agraciado com
a admissão em mil novecentos e oitenta e dois. Tudo ia bem, mas eu fui
surpreendido com a extinção do BNH, pelo decreto do presidente José Sarney e
que a demissão ou absorção de seus empregados estaria a critério da CEF. Depois
de muitos transtornos e aborrecimentos, finalmente, eu fui recompensado e reconduzido como os demais colegas, pela Caixa Econômica Federal, já que a CEF havia
admitido anteriormente, o pessoal da extinta Delfin, que era uma empresa
privada. Lá na agencia Almirante Barroso, eu consegui com muito empenho várias
funções e encerrar a minha carreira de bancário na agencia Itaguaí, aonde
cheguei a substituir por algumas vezes a função de gerente geral. Eu requeri a
minha aposentadoria, porque houve um assalto na agência e naquele dia eu não
estava lá, mas os meliantes sabiam tudo sobre a minha vida e locomoção e
avisaram que iriam voltar. Isso já em mil novecentos e noventa e sete,
aproveitando a chance de incentivo a aposentadoria voluntaria, onde me
desliguei da fundação dos economiários, recebendo somente o benefício do INSS.
Preocupados com a exposição de nossos filhos à violência, em nossa localidade,
nós procurávamos viajar aos fins de semana, isso nos anos noventa, temerosos com
as primeiras ondas de tiros por disputa de territórios entre bandidos. Eu já
adquirira o meu imóvel na Praça Seca, um local pacato à época, mas a nossa
inquietação, o que é natural, aumentava em virtude da hostilidade imposta no
meu bairro, e que infelizmente continua nos dias atuais. Por razão da nossa estabilização
financeira, nós alugamos uma casa em Muriqui, a fim de proporcionarmos aos
nossos quatro filhos um maravilhoso feriadão, naquela localidade. Daí as nossas
idas tornaram-se frequentes à Costa Verde e em mil novecentos e noventa e quatro
fomos morar em Muriqui, aonde fizemos novos amigos, sempre com muita seresta,
onde o nosso tio Orlando, o “Cocoroca”, nos brindava com a sua alegria e
irreverencia. Em mil, novecentos e noventa e dois, e com as graças de Deus,
novamente, nasceu Natália, nossa primeira neta, fruto do relacionamento de
Marcelo e Patrícia. Ainda imaturos, os dois iniciaram um novo começo como eu.
Infelizmente essa união foi marcada por tragédia. Desafortunadamente a nossa
nora partiu antes do combinado e a Natália ficou órfã de mãe. Esse foi o fato
marcante que mudou nossas vidas, principalmente do Marcelo. Sofremos também com
perda de demais parentes, além da Patrícia, o nosso Orlando “cocoroca”, além de
amigos desses infaustos anos. Já na foz do rio, nós ficamos deslumbrados e
contentes de termos sobrevividos a todas as adversidades. Na nossa boda de prata, em mil novecentos e
noventa e seis, praticamente, participaram da nossa festa uma boa parte família
e amigos, com muita alegria e diversão, lá em Muriqui. Esse evento, como
outros, também foi muito marcante em nossas vidas. A Glaucia casou-se, foi
morar em Brasília, mas infelizmente esse enlace foi desfeito e ela retornou
para a nossa casa. Marcelo casou-se novamente com a minha nora Lili e dessa
união nasceram também com as graças de Deus os nossos netos Mateus, Sarah e
Gabriel. Nos anos dois mil, eu, já como fiscal da natureza, aventurei-me mais
uma vez. Trabalhei em diversos lugares. O primeiro deles foi com o meu compadre
Ulisses em seu escritório contábil na Cinelândia, depois em um escritório de
contabilidade no Catete e por fim lancei-me na construção civil, como
construtor. Atualmente eu presto serviço de assessoria financeira para uma
construtora. Nesse último decênio, Aline
e o Augustus, já encaminhados na vida, formaram-se e estão trabalhando em suas
áreas. Aline casou-se com o Ramón, meu
genro, que também se graduou. Depois de nove anos, com as graças de Deus,
nasceu Carolina, a neta mais nova família. A Glaucia foi morar na Suíça e lá,
casou-se com Markus, meu genro. Inclusive a Tania e eu viajamos à Europa, para
assistirmos a solenidade e ficamos um mês por lá. O Augustus seguiu a vida dele e mora com o
Gustavo, meu genro. Muitos acontecimentos desagradáveis marcaram as nossas
famílias a partir da terceira década do nosso casamento. O senhor Gerdal, meu
sogro, partiu para uma nova vida espiritual. Perdi também os meus pais, José e
Moema. A vó Naty, avó do Ramón. A minha sogra Iolanda continua viva. Ela sofreu
um acidente vascular cerebral e acamada há bastante tempo, sem previsão de
viver plenamente. São seis anos sem locomoção em cima de uma cama. Recentemente
mais uma perda. Prematura e fatidicamente a minha ex-cunhada, Ana, partiu
também para a vida espiritual sem combinação prévia. Hoje em dia resido no meu
apartamento na Praça Seca. Agora mais próximos de nossos filhos, netos e
parentes. Nesse pequeno texto sintetizo que nós aprendemos com os erros e
acertos. Se não tentarmos, como saberemos o que acontecerá. Nós conseguimos
estabilizar os nossos momentos de crises, que, aliás, foram muitos. Alguns com
fraturas emocionais, superadas desse convívio. Nossos filhos desembarcaram e
hoje nos encontramos no mar, não mais naquela canoa, e sim em uma embarcação
que não se encontra à deriva, ancorada sobre aguas calmas, com consciência, e
dever cumprido. Os tempos mudaram. Tivemos pandemia, tsunamis, derretimento de
geleiras, queimadas, aumento gradativo de temperatura, redes sociais entre
outros, mas nós não perdemos a fé, fator preponderante para quem deseja vencer
na vida. Sei que a minha caminhada nesse
contexto foi paradoxal. A intrepidez também mora e instiga o interior do ser
humano. Segundo o início do verso do grande Noel Rosa em “Feitio de Oração”-
Quem acha, vive se perdendo. Perdi-me várias vezes, mas encontrei no seio da
minha família um porto seguro para as minhas conquistas, sendo primordial, a
criação dos nossos quatros filhos. Tania e eu, exploramos os limites das nossas
emoções e juntos, conseguimos superar as atribulações nesses cinquenta anos de
convivência. Agradeço a Tania, minha companheira dessa árdua luta, nessa missão,
embora eu reconheça não ter proporcionado a você nesses longos cinquenta anos o
que de direito, você merecia. Nós vivemos atualmente com um estilo de vida
minimalista. O tempo nos faz aprender que podemos viver com aquilo que é apenas
essencial, sem excessos. Mas a batalha
não foi em vão. Agradeço com orgulho, aos meus quatro filhos: Marcelo, que
conseguiu com êxito, o seu objetivo na área militar, Gláucia, que cuida de
pessoas excepcionais, além de trabalhos manuais, lá na Suíça, Aline, professora
do nosso município e Augustus, o nosso biólogo, por nos ajudarem nessa
travessia, a qual nos proporcionou arrojo e obstinação em nossos anseios. Agradeço
também aos meus netos Natália, formada em engenharia civil, trabalhando
atualmente; Mateus e Pamela, também, encaminhado para a vida nas forças armadas,
residindo atualmente em Goiás. Sarah, que brevemente será a psicóloga da
família, Gabriel, terminando os seus estudos secundário e, praticamente,
pensando na escolha de sua carreira e Carolina, que renova os nossos dias de
alegria, genros Ramon e Gustavo, nora Lili pela ampliação da nossa família,
enfim a todos os parentes e amigos que presenciaram a nossa união na Igreja do
Sagrado Coração de Jesus, na Praça Seca, naquele maravilhoso sábado de quatro
de setembro de mil, novecentos e setenta e um. E, nesse pequeno resumo dos
cinquenta anos dessa união, elencados acima, eu considero que foi uma olimpíada
matrimonial, onde enfrentamos várias modalidades em equipe, como uma competição
esportiva. E hoje, vencedores, nós subimos ao pódio, em que nossos adversários,
tempo e contratempos, foram superados por nossa vontade em vencer, sem hino, mas
com a medalha almejada no peito, nessa Boda de Ouro, por termos conseguido
encaminhar nossos filhos para prosseguirem seus destinos independentes. Por
fim, agradeço a Deus por tudo que nos trouxe até aqui, com resiliência, sem temer
as objeções em que vários momentos e situações nos impuseram. Que venham os
próximos cinquenta anos! Se Deus quiser!