domingo, 7 de setembro de 2025

O despertar na calmaria da vingança.

Eu não era assim. Havia em mim um ser doce, um coração sem armaduras, um desejo atroz por você, como se o mundo coubesse inteiro em  um único nome: o seu. Eu te amei como quem crê no milagre do inesperado, no perfume do intocável. Amor para mim era um templo, e você era o altar onde eu rezava minha fé cega. Mas o tempo, ah, o tempo, esse escultor de verdades que os olhos não veem, começou a bater à porta do meu peito, trazendo respostas que eu jamais pedi. E fui vendo aos poucos o quanto eu era cego dentro do brilho falso do seu olhar. Na retina um véu. No seu toque um ensaio. No seu carinho o ensaio de um abandono silencioso. Você sorria e eu retribuía também. Mas era um teatro. Você ensaiava a despedida, eu sem saber a permanência. Seus enganos se enraizaram como erva daninha nos campos onde plantei confiança. E quando tudo floresceu, as flores tinham espinhos que eu não via. E eu sangrei. Sangrei em silêncio, como quem ainda crê que vale a pena. Mas o hoje não resta em mim o mesmo homem. Há em mim uma vingança calma, não de faca nem de grito, mas de ausência. A vingança de quem foi e não volta. De quem amou e agora se basta. O coração que antes pulsava seu nome agora palpita liberdade. A alma que te esperava nas madrugadas agora dança com o vento sem rumo, sem amarras, livre. E se há ainda algo de você em mim, é só a lembrança do que não quero mais ser. A memória de um amor que me traiu com o silêncio, com a negligência, com o desprezo embalado em gentileza. Você enxovalhou meu coração com uma harmonia falsa, com promessas costuradas em mentiras. E agora eu reescrevo meus dias com mãos firmes e olhos abertos. Não te odeio. De modo algum te amo. Em nenhum momento te quero. O que mora em mim agora é o eco da dor que me despertou, é a vingança mansa de quem sobreviveu. De quem amou e aprendeu a amar a si mesmo mais.

 

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