sábado, 14 de junho de 2025

Noite de chuva.

Chovia como se o céu também a tivesse perdido. Cada gota era uma lembrança que batia no telhado, insistente, como quem pede para voltar. A janela embaçada era o espelho do meu peito e nenhuma imagem ficava, tudo escorria. Eu me sentei no chão, entre sombras e silêncios, os dedos buscando no vazio o calor das mãos dela. Lá fora, os trovões gritavam o que eu calava: que viver depois dela era habitar um mundo onde os deuses dormem e os relógios se recusam a girar. O cheiro da chuva misturava-se ao perfume que restou no lençol. Fechei os olhos. E por um segundo, ela estava ali, molhada, como naquela primeira vez, rindo, dançando com os pés nus no barro. Mas era só a lembrança. E a memória, essa traidora, também escorreu pela calha com a última esperança.

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