Quando encontro o meu ex-amor, ela atravessa a rua, como quem evita o passado que ainda pulsa nos olhos. Abaixa a cabeça, como se cada lembrança medisse mais que o mundo. Depois de um tempo, ela telefona seja tarde da noite, com a voz trêmula presa em balbucios. Mas eu não a atendo. Choro por dentro, com o orgulho em carne viva, e mando outro responder em meu lugar, como quem não quer doer de novo. Ela esqueceu, talvez, nossos dias felizes, os corpos em harmonia, respirando o mesmo fôlego, em compassos de êxtase que o tempo não apaga, mas ela finge perceber. Esqueceu o som da minha pele na dela, o calor dos nossos afagos, os olhos fechados diante de um mundo que só nós dois conhecíamos. E agora, nesta encruzilhada onde se transportam nossos inegáveis desenganos, percebo: a paixão esvaiu-se vagarosamente, como um rio cansado, até desaguar no mar das desilusões. Ali, naufragamos sem grito, sem salvação, apenas o eco do que fomos afundando no esquecimento.
Ela é bela, disso ninguém duvida, mas há mais nela que a forma esculpida. Seus traços, como arte, encantam à primeira visão, mas é no silêncio que mora sua real dimensão. Por trás do olhar que tantos prende e fascina, há tempestades, raízes, alma feminina. Carrega no peito mundos não ditos, palavras cortantes, afetos infinitos. O tempo a tocou, não só na pele, mas nos cantos do ser onde o corpo não revela. Maltratou com perdas, moldou com dor, e mesmo assim, ela brota em flor. Ela é revolução disfarçada de calma, uma guerreira com o dom de guardar a alma. Sua beleza é apenas o prenúncio sutil de um universo inteiro, vasto e febril. Não a reduzam a um reflexo ou vitrine, pois há nela um mistério que nunca se define. Linda? Sim. Mas muito mais do que isso: ela é tempo, essência, abismo e início.