quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Ladrão de sonhos

Quando a noite chega, silêncio se faz,
E o mundo real, enfim, tem sua paz.
Eu fecho os olhos, me entrego ao cansaço. Mas sinto que invade um outro espaço. Não sei de quem roubo a tranquila noite. Mas pressinto que em mim a vida do outro flui. O sono que me embala, leve e sereno, é a vigília de alguém, triste e pequeno. Em meus sonhos, visões que não me pertencem. De vidas estranhas que me parecem. Lágrimas que não chorei, sorrisos alheios. Ecos de um desejo que não é dos meus anseios. Será que meu peso é demais para um só? Será que a vida, me cobra um preço maior? Será que a minha paz rouba a serenidade de alguém distante, num ciclo invisível, cruel e constante? E ao acordar, o alívio se mistura à dor e resignação. De saber que vivi a fantasia de outro ser. Que a minha noite foi a insônia de alguém. E a cada amanhecer me pergunto
: de quem? Sabedor que à noite, roubarei outra vez.

terça-feira, 28 de outubro de 2025

O elo invisível dos corações sinceros.

Fidelidade é o sopro leve que sustenta o amor nas horas frias. É a chama pequena que não se apaga, mesmo quando o ar sopra forte. É o gesto simples que repete o cuidado, a escolha silenciosa que se renova a cada amanhecer. Ser fiel é permanecer quando seria mais fácil partir. É acreditar no vínculo mesmo quando o mundo duvida. É guardar o nome do outro como promessa. É respeitar o espaço sem perder o laço. Lealdade é raiz e é asa. Raiz que firma, asa que liberta. Pois quem é fiel não prende acompanha o voo com confiança. Há deferência nas palavras que cumprem o que dizem, nos olhos que não se desviam da verdade, das posturas e da sinceridade, no abraço que permanece igual, mesmo quando o tempo muda tudo ao redor. Ser fiel é amar sem precisar vigiar. É confiar sem medo da distância. É saber que o coração tem endereço certo, ainda que os caminhos se alonguem. E no fim, a consideração é espelho da alma: reflete quem somos quando ninguém nos vê. É a poesia que o tempo escreve em silêncio, a eternidade escondida nos gestos simples. Porque ser fiel é ser inteiro. E o que é inteiro, o tempo não quebra. O que é fiel, o mundo não apaga. No som, o original é a gravação. A alta fidelidade busca a reprodução perfeita e sem distorções do som. No amor, o original é o compromisso ou a promessa de exclusividade e união. O zelo e a atitude que mantém esse compromisso inalterado são puros.

A flor da esperança.

Pode sorrir à vontade. O seu sorriso já não me desarma como antes, mas ainda ilumina o canto mais secreto das minhas lembranças. Há algo em ti que o tempo não conseguiu levar: a essência que um dia me fez acreditar que o amor podia ser abrigo e tempestade ao mesmo tempo. No entanto, hoje, aprendi a olhar para esse sorriso sem me perder, porque no meu jardim viceja forte, teimosa, bela, a flor do desejo. Essa flor nasceu das ruínas. Brotou entre as pedras do meu ego silencioso, entre as ausências que gritavam quando seu nome já não se ouvia. Eu cuidei dela com as mãos feridas e reguei-a com lágrimas escondidas que já não eram de dor, mas de renascimento. E foi assim que compreendi: o amor, quando amadurece, não implora permanência ele floresce, mesmo quando outra parceria se desfaz. Tu e eu formamos um lindo par, e disso não me envergonho. Houve em nós um fogo que iluminou noites e cegou dias. Fomos intensidade, verdade e entrega. Mas a beleza de um jardim não está em prender o vento, mas em deixá-lo soprar e ver o que resiste depois da ventania. E o que resistiu, dentro de mim, foi essa força mansa que aprendi a chamar de esperança. A sua fascinação ainda persiste no meu coração, é verdade. Ela mora nas entrelinhas do que fui às lembranças que às vezes me visitam quando a noite é longa. Mas já não me fere; hoje, é lembrança doce, não ferida aberta. Porque o coração que um dia te ofertou paz e segurança agora oferece isso a si mesmo. Descobri que a paz não está em quem fica nem em quem vai. Está em quem aprende a florir, mesmo só. A segurança não vem do abraço alheio, mas da certeza de que posso caminhar com os meus próprios passos, sem deixar de acreditar no amor. O meu jardim segue vivo. Nele, cada pétala guarda um pedaço da nossa história, mas também o perfume de tudo o que ainda está por vir. São essências de sentimentos e apegos. A flor da inspiração fascina e cresce firme, entre memórias e recomeços, porque ela aprendeu como eu, que o amor verdadeiro nunca morre. Ele se transforma. E se um dia passares por esse jardim novamente, talvez sintas o mesmo perfume de antes. Mas não te enganes, não é saudade que paira no ar. É força. É vida. É a prova de que, mesmo depois do adeus, a confiança continua a vicejar, altiva, no meu peito.

 

domingo, 26 de outubro de 2025

O relógio que o tempo não consome.

Encontrei lá no fundo do roupeiro, perdido entre quinquilharias esquecidas, o meu antigo relógio analógico da marca Mido. Foi como reencontrar um velho amigo que o tempo afastou, mas nunca apagou da lembrança. O metal já sem o mesmo brilho, a pulseira ligeiramente marcada pelos anos que, no entanto, bastou tocá-lo para que algo dentro de mim voltasse a pulsar. Esse relógio sempre foi mais do que um simples medidor de horas. Era uma espécie de companheiro silencioso, testemunha dos meus dias, dos atrasos e das pressas que me acompanhavam. Havia nele uma mania ou talvez uma teimosia que eu mesmo inventei: todos os dias, quase por instinto, atrasava os ponteiros alguns minutos. Não sei se era medo de chegar cedo demais às coisas ou vontade de enganar o tempo. Talvez fosse só uma forma de dizer que ele não mandava em mim. Lembro-me bem da transição que os anos trouxeram. Na década de setenta, o Brasil começou a ser invadido pelos relógios digitais, símbolo de uma modernidade que se anunciava com números brilhantes e sons metálicos. As vitrines pareciam prometer um futuro mais preciso e mais veloz, e também mais eficiente. Aos poucos, o velho Mido foi sendo deixado de lado. Primeiramente passou a dormir na cabeceira da cama, depois a repousar em alguma gaveta. O mundo girava mais rápido, e eu, sem perceber, fui deixando que o tempo me ultrapassasse. Hoje, ao encontrá-lo, percebo que o relógio ainda carrega os segundos com a mesma dignidade de antes. Não importa se parou se já não funciona como antes. Ele continua sendo o símbolo de uma época em que o tempo parecia mais humano, mais elástico, mais nosso. Há uma ternura em seu silêncio, uma fidelidade que as máquinas modernas jamais conhecerão. E talvez por isso eu tenha feito um pedido: que, quando chegar minha hora, apesar de meu ceticismo, que coloquem o Mido junto a mim, dentro do esquife. Não por vaidade, nem por apego material, mas por reconhecimento. Porque ele foi, durante tantos anos, o companheiro que marcou meus dias, o cúmplice das minhas pequenas rebeldias contra o relógio da vida. Sei que o meu corpo, como tudo o que é vivo, será um dia devorado pela terra. Mas o meu relógio? Ah, esse jamais será “coMIDO”. Ele continuará de algum modo, resistindo. Porque há objetos que não morrem. Guardam em si a alma de quem os usou, o rastro das horas que viveram juntos. No fim, compreendo que o tempo não é inimigo, mas espelho. Ele apenas reflete o que fomos capazes de viver nem mais, nem menos. Os ponteiros do Mido talvez tenham parado, mas dentro de mim ainda giram, lembrando que cada segundo teve um propósito, cada atraso uma história, cada batida uma presença. E talvez seja isso a eternidade: não o tempo que continua, mas o instante que permanece em gravações de lembranças.

 

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Marcas no horizonte.

Fitando o horizonte as marcas do teu passo. Não é miragem, não são as impressões descalças na areia. Essas se perdem nas pequenas ondas do mar. Esse sentimento de perda em te ires para sempre deixou meu coração desalinhado como figura geométrica em alto relevo fora de foco. Mas ainda assim caminho, mesmo que em desordem, tropeçando nas lembranças que o vento e o mar insistem em devolver à minha paz. Há algo de permanente no efêmero. Uma cicatriz suave no tempo, onde o toque da tua ausência repousa. Tento redesenhar o contorno do teu rastro no ar, como quem desenha o invisível com os dedos, procurando no vazio o eco de um sorriso antigo. As horas passam lentas, como se o relógio também lamentasse. O horizonte, antes promessa, agora é linha de despedida. E eu, aprendiz de solidão, aprendo a seguir sem apagar o que ficou. Porque há passos que, mesmo quando o mar apaga, permanecem. Não na areia, mas na memória do coração que, aos poucos, tenta se realinhar novamente, ainda que torto, ainda que teu. Recolho as lembranças com o cuidado de quem recolhe conchas na beira do mar. E uma delas guarda um som, um instante, uma forma de existir que o vento não levou por completo. Aprendo, aos poucos, que há perdas que não se superam: apenas se transformam em silêncio, em calma, em gesto de seguir adiante e sem despedidas.

terça-feira, 21 de outubro de 2025

A rosa e a minha dor.

 A rosa é um símbolo da beleza que transcende a dor. Ela cresce delicada e intensa, mesmo no terreno mais árido, refletindo a capacidade de florescer apesar dos desafios da vida. Cada pétala parece carregar consigo a suavidade da esperança, enquanto seus espinhos, embora pungentes, são um lembrete de que a dor e a beleza coexistem. Ela não é apenas uma flor, é um reflexo do nosso ser das nossas cicatrizes, das nossas fragilidades e das nossas forças, inclusive as emocionais. E é nesse campo fértil, onde a dor tenta se enraizar, que a rosa se ergue, trazendo consigo uma promessa. No canto qualquer do meu coração, onde a saudade se esconde, o amor deve chegar como diz a letra de uma linda canção. Não como uma luz ofuscante, mas como um perfume suave que preenche os espaços vazios, aquecendo a alma, dissolvendo as sombras. O amor, embora tímido e distante, sempre encontra um caminho para chegar, ainda que seja necessário atravessar as tempestades. Quando olho para a minha flor, percebo que, às vezes, a dor que sinto não é a única verdade em minha vida. Há algo mais, algo que brilha, ainda que as sombras me envolvam. A rosa é como um sinal de que, por mais difícil que seja sempre há algo precioso a ser encontrado, uma beleza que vale mais que qualquer sofrimento, uma razão para seguir adiante. Ela é a representação da resiliência, do amor que floresce até nas condições mais desafiadoras, e, acima de tudo, é a promessa de que, por mais forte que seja a dor, sempre há algo em nossa jornada que vale a pena. E, talvez, isso seja o que nos mantém vivos e buscando, em meio ao caos, um motivo para continuar um amor que, no fim, sempre encontra seu lugar, mesmo que escondido num canto qualquer do coração.

 

domingo, 19 de outubro de 2025

Liberdade! Uma palavra inegociável.

Ser livre é mais do que caminhar sem correntes. É respirar o próprio destino,é abrir as asas do espírito e permitir-se ser. Liberdade é sentir o mundo dentro de si, é ouvir o chamado da alma e seguir, mesmo que o caminho seja incerto. Ela nasce do encontro com a verdade, do gesto digno do coração que não se curva diante da injustiça ou do medo. É o grito silencioso de quem ousa sonhar, de quem acredita que o bem pode florescermesmo no solo árido da dor. Há aqueles que fazem da vida um ato de resistência, que transformam o amor em força, e a compaixão em revolução. São almas luminosas que lutam por um mundo melhor, onde o respeito e a dignidade sejam a regra, e não a exceção. São os construtores de um futuro mais humano, aqueles que compreendem que ser livre é também desejar a liberdade de todos. Mas a liberdade vai além do sentimento humano ela pulsa em toda forma de vida. Há quem, com boas intenções, aprisione seus animais, achando proteger, quando na verdade os limita. Cães e gatos que olham o céu pelas frestas, aves que nunca sentiram o vento de verdade, vidas contidas em espaços pequenos, sem contato com outros animais,  para explorarem e sentirem o mundo. Liberdade não é luxo é necessidade vital, de homens, de bichos, de tudo o que respira e sente. A verdadeira liberdade é generosa: não se contenta em ser apenas individual. Ela se multiplica no olhar, no gesto, no amor compartilhado. Nasce então a gratidão por estar vivo, por poder escolher, por aprender com cada ser que divide o caminho. Ser livre é reconhecer o milagre de existir. É erguer-se diante das quedas e agradecer, mesmo em meio ao caos, pela chance de recomeçar. A liberdade é o sopro da vida. A gratidão, o perfume que ela deixa ao passar em nossas vivências. Eu vejo isso de perto quando abro a porta de entrada da minha casa em Praia Seca RJ, os canários da terra em cantos que em revoada amarelas dispersam-se em lindos sons de canto. Nada melhor do que a liberdade!

 

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Beijo que desata silêncios.

Na curva do lábio onde o silêncio adormece, há noites inteiras que pedem calor. Palavras trêmulas, nunca ditas, desejos guardados no sabor do pudor. A boca dela — pétala e segredo - grita em silêncio, geme em sonho. Carrega o peso de vontades contidas, e a sede antiga de um toque risonho. Sufocar essa solidão, não com pressa, nem com posse, mas com um beijo que saiba escutar, com mãos que leiam sua pele, com olhos que saibam ficar. É chegar sem romper, desatar os nós com carinho, respeitar o tempo do corpo e incendiar o caminho. Porque nem todo toque é encontro, mas há beijos que acendem o que antes dormia e devolvem à boca a alegria. Beijo que desata silêncios não é urgência é presença. É arte de amar com paciência.